tag:blogger.com,1999:blog-83902723457164880522024-03-08T11:44:16.678-08:00"O circo da vida" e outras crônicas - Chico Viana O cronista se acha um palhaço no circo da vida. Ri dos outros ao mesmo tempo que ri de si mesmo, pois vê o humor como uma forma de superar o que há de trágico e irresgatável na condição humana.
(O livro "O circo da vida" está registrado na Biblioteca Nacional sob o número 709.531 - Livro 1.371 - Folha 409) Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.comBlogger65125tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-76885515480059025262016-05-06T11:55:00.002-07:002016-05-06T11:56:01.337-07:00Antigamente<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">As
palavras, como as pessoas, nascem e morrem. A diferença entre elas e nós é que
podem ressuscitar. Um dia, quando menos esperamos, deparamo-nos com um arcaísmo
que nos faz voltar à infância (esse “deparamo-nos”, com o pronome enclítico, já
não seria um?).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Outro
dia eu estava listando uns termos que ouvia quando era menino e que hoje
praticamente não se dizem mais. Alguns se tornaram esquisitos; outros preservam
um sabor que nos desperta o desejo de resgatá-los. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Hoje
se diz de alguém convencido e presunçoso que é esnobe. Antigamente, uma pessoa
desse tipo “só queria ser as pregas”. Por que as pregas? Pedi a ajuda da minha
mulher, que logo matou a charada: na roupa feminina, as pregas são o que dá
mais trabalho. Constituem um requinte, uma marca de distinção. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Pirralho
mal-educado a gente tratava “no cascudo”. Ou no “cocorote”. Levei vários deles,
por sinal, e nem por isso fiquei ruim da cabeça. Ruim da cabeça? Naquele tempo
ninguém falava assim. Dizia-se “leso”, “abilolado”. Os cascudos eram para
mostrar que a criança tinha de obedecer aos pais “sem tugir nem mugir”, eu
seja, sem murmúrio nem grito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Homem
usava “brilhantina”. Mulher, “laquê”. Cheguei a acompanhar meus pais a alguns
bailes em que os cabelos dos homens eram um lustre só. Ainda não entrara em
cena o xampu com a sua variedade de nutrientes que se ajustam aos vários tipos
de fios. Fossem os cabelos secos, oleosos, lisos, encaracolados, louros, pretos
ou brancos, a inevitável brilhantina os untava da mesma forma e impedia, se
fosse o caso, que se revolvessem no atropelo da dança (mas que risco para isso
as dolentes valsas podiam representar?).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Nesses
bailes, por sinal, chamava-se a mulher para dançar pedindo-lhe que “concedesse
uma parte”. Ela nem sempre se dispunha a saracotear com o “janota”, que achava
“espeto” receber a negativa. “Espeto” se aplicava a pessoa ou situação difícil
de suportar. Surgiu, certamente, por analogia com o objeto perfurante
encontrado hoje nos rodízios de carne, peixe, pizza. A rejeição da mulher era
mesmo um golpe, um furo na autoestima do cavalheiro, que tinha vontade de por
causa disso provocar um “sururu”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Mas
ele nem sempre se dava por vencido, e às vezes conseguia se vingar. Dando uma
“rabiçaca” em quem o rechaçou, por exemplo, ou esfregando-lhe na cara um
“pedaço de mau caminho”. Isso: uma garota boazuda, fornida, “de fechar o
comércio”, que fazia a outra se sentir um “sibito baleado”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">E
os nomes? Naquele tempo os homens se chamavam Anfilófio, Eleutério Salustiano.
As mulheres: Eudóxia, Escolástica, Alaor. E os utensílios? Como nos quartos não
havia banheiro, fazia-se xixi no “urinol”, que após o uso era pudicamente
colocado embaixo da cama. Comida se guardava no “petisqueiro”, e no
guarda-roupa se amontoavam sapatos ao lado de roupas. Algumas, para o gosto de
hoje, muito “ababecadas”.<o:p></o:p></span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-60431439173807623882016-05-04T14:33:00.003-07:002016-05-04T14:33:56.641-07:00Cheiros e choro <div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Por
volta das cinco da tarde, Dalila entra no escritório e começa a olhar para mim.
Não late, não gane, não esperneia. Apenas espera. Se insisto em continuar
diante do computador, ela eriça as orelhas numa repreensão muda. Caso eu
continue indiferente, ameaça se baixar como se dissesse: se você não se
levanta, faço aqui mesmo. <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Esse
argumento é decisivo. Levanto-me, passo a coleira em torno do seu pescoço,
borrifo-lhe um pouco de repelente contra carrapatos e desço com ela as escadas
rumo ao calçamento. Dalila é instruída, segura-se o quanto pode e só nas
cercanias de um terreno baldio faz suas necessidades. <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Envolvo
a matéria num plástico e jogo-a num lixo próximo, longe dos olhos e narizes de
quem passa. Gesto civilizado, que vi faz muito tempo num filme francês. Muita gente
por aqui ainda não o copia; prefere fazer da rua privada de cães e acrescentar
mais um argumento a quem não gosta dos bichos. Não é agradável recolher
“aquilo”, é verdade; mas a civilização impõe deveres de que a gente não pode nem
deve se esquivar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Depois
de aliviada, Dalila começa o seu passeio. Passa o dia em casa aguardando esses
10 ou 15 minutos de rua, quando pode percorrer um espaço maior e cheirar à
vontade. Li certa vez que para tirar o estresse do cão não é preciso levá-lo para
passear; basta fazê-lo cheirar um espaço que para ele seja novo. A diversidade
de odores que encontra ali revigora-lhe a alma, a sensibilidade, o espírito, ou
que nome tenha o centro de suas emoções. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Um
palmo de terreno, monótono e insípido para nós, pode ser para ele uma excursão
turística de cheiros. Seu olfato capta gradações que ultrapassam de muito os
limites para os quais nossas narinas estão equipadas, os quais vão, grosso
modo, do perfume francês a um desses esgotos de favela. O resto ignoramos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Não
temos, de fato, a hipertrofia de um sentido como a têm os cães em relação ao
cheiro, ou as águias quanto à visão. Sentimos tudo dispersamente, por igual, o
que não é vantajoso. Se nada chega ao intelecto sem passar pelos sentidos,
talvez esteja nessa dispersão a fonte da nossa ignorância do mundo. Como
captá-lo, como compreendê-lo, se o nosso cérebro padece de anemia sensorial?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Vejam
se não tenho razão: Dalila me puxa pela coleira e vai sugando o chão com as
narinas. Isso a impulsiona a ponto de quase me fazer deixá-la escapar. Parece
um aspirador vivo na ânsia de absorver os menores resíduos olfativos da
paisagem, e sairá dessa experiência plenificada. Enquanto isso, eu me desligo das sensações em
volta pensando nestas besteiras que o leitor está lendo. Tudo para depois,
friamente, redigir um texto diante do computador. Qual dos dois está
certo? <o:p></o:p></span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-24685203782802553692016-05-04T14:31:00.001-07:002016-05-04T14:31:45.432-07:00Cantigas perigosas<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O
politicamente correto chegou às cantigas infantis. A partir de agora devemos
ter muito cuidado com o que cantamos para as crianças. Uma simples canção de
ninar pode embutir um significado nocivo, capaz não só de amedrontá-las como
também de marcar-lhes negativamente a personalidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Fui
criado ouvindo “Atirei o pau no gato” sem perceber o quanto esses versos
incitam à violência contra os animais. O título já é bem sugestivo, mas os
detalhes são de arrepiar. Diz-se em certa passagem que uma tal de Dona Chica
admirou-se “do berrô, do berrô que o gato deu”. Em vez de se compadecer do
felino, a mulher fica pasma e passiva ouvindo-lhe os gritos e talvez se
deliciando com a manifestação de dor. Como se isso não bastasse, a letra tem
uma mensagem antiecológica. De onde teria vindo o pau atirado no gato, se não
de uma árvore destruída por algum madeireiro ganancioso?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> “O
cravo brigou com a rosa” tem uma sugestão bélica que não fica bem a duas
flores. Delas se espera ternura, concórdia, enlace amoroso -- e não que fiquem
se despetalando de raiva uma da outra. E o famoso “Boi da cara preta”?
Geralmente se canta essa música para fazer as crianças dormir, mas como
levá-las ao sono ameaçando-as com um bicho escuro que, ainda por cima, as
aterroriza com caretas? Se dormirem, coitadas, vão ter horríveis pesadelos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Ninguém
também se iluda com a aparente inocência de “Ciranda, cirandinha”, que não traz
nenhum exemplo de bom comportamento moral. Pelo contrário, realça a mentira e a
quebra de compromisso. Alguém dá a uma moça um anel de vidro dizendo que ele é
de material mais resistente. O resultado é que a joia se quebra -- mas eis o
pior: sua fragilidade simboliza o amor de quem deu o presente. Um falso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Outra
cantiga que nada tem de edificante é a que acompanha a história da Dona Baratinha.
No início da letra alguém pergunta quem quer casar com ela. Espera-se,
obviamente, que a noiva possua predicados que a habilitem a ser uma boa esposa:
fidelidade, apego ao lar, disposição para ser mãe. Em vez disso ouvimos um
tanto desapontados que ela “tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha”. Ou seja, exalta-se apenas a vaidade da
pretendente e, pior, insinua-se ao eventual marido a possibilidade de um golpe
do baú. Não surpreende que o candidato seja um tal de... Dom Ratão. Felizmente
o esperto teve o destino que merecia, morrendo cozinhado numa panela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">“Samba
Lelê”, quem não conhece? Hoje não se deve mais cantá-la devido àquela
referência a “umas boas lambadas”. É impossível aceitar isso numa época em que
a Lei da Palmada se dispõe a livrar as crianças de castigos corporais. E quanto
a “Pai Francisco”? Vocês vão dizer que é do mais inofensivo humor. Que tem
demais afirmar que o homem “parece um boneco desengonçado”? Já vi que não
prestaram atenção ao verso que vem antes; nele se diz que o tal Francisco vem
“todo requebrado”. Hum... Homem se
requebrando? Isso lança uma suspeita sobre a sua identidade sexual, e não fica
bem às crianças deparar-se tão cedo com tais ambiguidades. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Se
queremos adultos equilibrados, precisamos cantar para nossos meninos outras
canções. O problema é saber quais. Enquanto não descobrimos, o mais prudente é
niná-los com o inofensivo “ããã, ããã, ããã”. Qualquer fonema ou palavra a mais
pode ser perigoso. Muito perigoso.<o:p></o:p></span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-36506465306017472902016-05-04T14:27:00.000-07:002016-05-04T14:27:34.399-07:00Descasados<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Vez
por outra o grupo se reunia para fazer um balanço da vida. Curiosamente, todos estavam
sós. O assunto daquela noite foi a razão pela qual os casamentos falharam (Euclides,
o intelectual da turma, chegou a criar uma frase de que todos gostaram muito: “O
casamento é um estágio desnecessário
rumo à solidão”). <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Quem
primeiro falou foi Zuleide: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Me casei com um engenheiro. Deu errado porque ele queria mudar meus alicerces.
Resisti, esbravejei, e da nossa relação não ficou pedra sobre pedra. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pois eu -- explicou Valfredo -- fui casado com uma jornalista. Ela era
apressada e neurótica. Em nossos momentos íntimos, que eram raros, só pensava
se a cobertura ia resultar num grande furo. Além disso, tinha medo de perder o
emprego por causa de uma “barriga”. Terminei indo embora. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Meu caso foi pior -- falou Osmar. -- Casei-me com uma promotora. Vivia, claro,
me acusando. Era uma relação cheia de altos e baixos. Tudo que eu fazia era
usado contra mim. Afastei-me, não havia outro recurso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Foi
a vez de Clotilde justificar o seu fracasso:
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Nestor era guarda de trânsito. No início tudo correu bem. Com o tempo, ele
começou a reclamar de que eu não lhe dava mais bola. Dizia que eu avançara o
sinal, tinha outro, e devia ser penalizada por essa infração. Fui perdendo o
respeito em casa, onde só ele apitava. Pedi o divórcio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
E você, Nemésio? -- quis saber alguém. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ah, eu me casei com uma costureira. Nos primeiros meses, éramos casa e botão.
Com o tempo ela foi perdendo a linha, e numa briga me furou com um alfinete.
Antes que me agredisse com uma tesoura, resolvi me escafeder. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Elogiaram
a prudência de Nemésio. Uma tesoura provocaria danos bem mais graves do que um
alfinete... Foi Suênio quem interrompeu os comentários do grupo:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Minha mulher era psicóloga. Quando colocou um divã no quarto, pensei que era
para nosso conforto -- mas ela queria me analisar. Descobriu que eu tinha uma série de complexos.
Isso afetou de tal modo a minha autoestima, que quando ela estalava os dedos
corríamos eu e Totó. Eu já não sabia quem era, ou se era alguém. Saí da relação
com uma bruta crise de identidade. Au!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Mércia
foi a próxima a falar: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Meu marido era marinheiro. Passava três, quatro meses no mar, e quando voltava não
queria içar a vela. Perguntei se ele tinha “outra”. Ele respondeu que era quase
isso; eu errara pelo gênero. Nunca pensei que essa fosse a praia dele! Também
não fiz tempestade, e dissemos adeus numa boa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Faltava
Doroteia, que não se fez de rogada:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pois eu, pessoal, fui casada com um político. No início me encantei com o
discurso cheio de promessas, mas logo descobri que era tudo demagogia. Mesmo em
casa, ele só queria palanque. A gota d’água foi quando eu soube que umas tais
reuniões para discutir estratégias de
campanha eram um eufemismo para os encontros com Elisete -- uma de suas
assessoras. Essa não tinha nada de “fantasma”, era mesmo de carne e osso. Sei
disso porque quebrei alguns.<o:p></o:p></span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-20243585841045417732016-05-04T14:23:00.000-07:002016-05-04T14:23:40.502-07:00Quase cantor<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Além
de quase médico, fui também quase cantor. Para entender como isto se deu é preciso
remontar ao início da década de 1980, quando fiz o Mestrado no Rio de Janeiro.
Como tinha tempo livre, pois fora liberado pela UFPB somente para estudar,
resolvi fazer um curso de empostação vocal.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Decisão
tomada, consultei os classificados do “Jornal do Brasil”, onde me deparei com
um anúncio: “Sílvia Lamounier – rejuvenescimento vocal”. Era mais do que eu
desejava: não apenas empostar, arranjar direito as sílabas, controlar a emissão
da voz, mas também rejuvenescê-la. A professora morava numa transversal da Av.
Nossa Senhora de Copacabana. Tive que ir de ônibus até lá, pois a linha de
metrô que liga o Flamengo a Copacabana ainda estava em construção. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Recebeu-me
uma simpática senhora de cabelos escuros e olhos vivos. Tinha um ar de prima-dona,
o que me infundiu confiança. Quem sabe não teria cantado em alguma ópera e
hoje, aposentada, se dedicava a passar parte da sua experiência a pessoas como
eu? Comoveu-me a expectativa de partilhar daquele resto de glória, embeber-me
da luz que dela ainda se irradiava. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Devaneios
à parte, perguntei o preço da aula. Não era nada de fazer perder a voz, mesmo
porque naquela época vivia-se a Era Sarney e meu salário quase dobrava de um
mês para o outro. Antes que a inflação o comesse, dava para fazer pequenas
viagens e gastar com alguns extras. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Definimos
o horário, e passei a ter aulas duas vezes por semana. Dona Sílvia me instruía
nos vocalises e me ensinava a respirar. A respirar, sim, pois até para esse ato
simples, fisiológico, vital, precisamos de um aprendizado. Não respiramos bem e
levamos pouca energia ao corpo. Sem energia, não há como soltar a voz. A
professora mostrou que a minha estava presa, encaramujada em não sei que dobras
do aparelho fonador, e era preciso libertá-la. Os instrumentos para isso eram
técnica e respiração. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Aos
poucos a voz foi saindo, ou melhor, se esculpindo. Após algumas semanas me ouvi
cantando canções cujas letras eu não compreendia bem, pois eram em italiano.
Entendia melhor quando eram em francês. Vez por outra ainda cantarolo uma <i>berceuse </i>que eu executava em dueto com a
professora... Foi o que ficou daquela época, pois as aulas não duraram muito.
Fui percebendo que ao embalo da música eu começara a esquecer por que estava
ali: aprender a usar a voz para não a desgastar em sala de aula. Era um
professor, não um aprendiz de cantor lírico. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Isso
pedia realismo e objetividade. Fui de novo aos classificados e procurei uma
fonoaudióloga. Essa era objetiva e tratou logo de corrigir minha respiração; o
ar tinha que vir do abdômen e não do tórax... As aulas agora eram frias, sem
duetos nem repertório musical. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Não
sei se fiz bem deixando as lições de canto. Dona Sílvia dizia que eu levava
jeito. Poderia ser hoje um barítono, ou um tenor. Mas, enfim. Resolvi mesmo
desafinar em outras áreas (e não “árias”) da vida.<b><o:p></o:p></b></span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-89597700492668328622016-05-04T14:17:00.002-07:002018-06-07T06:12:18.939-07:00Dizer pelo avesso<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Nossa
língua é incoerente ou somos nós os estranhos? A gente...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- está
insatisfeito com alguém vai e “tomar satisfação”.<u><o:p></o:p></u></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- obriga uma pessoa a ir embora, dizendo: “Queira se retirar”.<u><o:p></o:p></u></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- acha “bárbara”
uma festa em que não ocorreu nenhuma atrocidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- chama de
“legal” um comportamento que nem sempre respeita a lei. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- faz “seguro de
vida” para obter uma garantia que só virá com a morte. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- diz “Tudo bem...”
diante de uma coisa que aceita a contragosto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- chama de
“tira-gosto” um alimento que vai tornar suportável a bebida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- exclama “Essa
é boa!” diante de uma coisa que achou ruim<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">e “Só faltava
essa!” a propósito de algo que dispensaria.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- chama de “genial”
o que às vezes não está nem acima da média.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- manda preparar
uma “simpatia” para prejudicar aqueles por quem tem aversão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- diz que alguém
“bebe como um gambá”, embora até hoje ninguém tenha tido notícia de um gambá
alcoólatra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- diz que alguém
imobilizado em cima de uma cama “anda” doente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- acha que para
estar na frente é preciso ter sempre “um pé atrás”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- chama de “consorte”
mesmo quem é azarado no casamento. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- diz “vou chegando”
quando vai saindo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">- chama de “galinha”
um homem que vive atrás de mulheres.<o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;">- traça planos para o futuro, mas afirma que ele
“a Deus pertence”.</span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-36294468624727978962016-05-04T14:13:00.001-07:002016-05-04T14:13:27.331-07:00Bolsa Feiura<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Li
há alguns dias que estão pensando em criar o Bolsa Feiura. Segundo o
idealizador do projeto, vivemos numa sociedade que valoriza muito a beleza, e
os que não a têm competem em desigualdade de condições com os bonitos. Uma
forma de reparar essa injustiça seria destinar aos feios determinada quantia
para que eles pudessem de alguma forma reduzir os efeitos da sua condição. Com
o dinheiro comprariam produtos de beleza, frequentariam clínicas estéticas ou
mesmo, se fosse o caso, fariam plástica. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Certamente
isso vai gerar muitas críticas. Dirão que não tem sentido propor tal ajuda
quando há no país milhares de indivíduos sem teto ou com fome. Esse argumento,
contudo, é fácil de refutar. A feiura não é um problema social (a não ser,
talvez, na China), mas entristece ou deprime muitas pessoas, o que
indiretamente afeta o setor produtivo do País. Quem, sentindo-se por dentro “um
lixo”, tem ânimo para fazer a contento o seu trabalho?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;"> Essa história de “estar bem
consigo” tem fundamento. Se o espelho não nos aprova, tendemos a ignorar os
outros e pouco nos importamos com o mundo. Em alguma medida, Freud tem razão: o
universo é projeção do ego. Tendemos a moldá-lo conforme nossa disposição
interior. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Inclinamo-nos
para o belo porque, segundo Stendhal, a beleza é uma promessa de felicidade;
isso quer dizer que a feiura promete o oposto. Vinicius segue a mesma pisada ao
afirmar, pedindo perdão às muito feias, que beleza é fundamental. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Como
veem, o Bolsa Feiura tem um sólido aval literário (a não ser por Quasímodo, que
compensa a corcunda com a beleza interior -- mas quem liga para ela hoje?). O
projeto, se aprovado, não mudará ninguém mas servirá de inestimável consolo. Vai
reparar um pouco o descuido (ou mesmo a imperícia) com que a natureza molda
certas fisionomias.</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">O problema de um projeto como esse em nosso país
é que poucos resistem a dinheiro que vem do Estado. Seguindo a prática do
jeitinho, a maioria vai bolar artifícios para parecer mais feia do que é e ter
direito à cota. Talvez isso produza um decréscimo na nossa vaidade, levando à
crise o setor de produtos estéticos. Haveria protestos, demissões -- e aí, sim,
a coisa ficaria feia.</span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-54132013458821718422016-05-04T14:07:00.005-07:002016-05-04T14:11:19.260-07:00Conversa sem fim<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Há
tempos Tancredo queria acabar o namoro com Danusa, mas não conseguia. Além de persistente, ela era imbatível no uso
das palavras. Apesar disso ele resolveu fazer mais uma tentativa:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Está tudo
acabado entre nós. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Tudo o quê? O que houve foi tão pouco... Se você se precipitar, pode se
arrepender. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não vou me arrepender. Sei disso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Sabe disso agora, mas arrependimento
não ocorre antes. Vem depois. E quem sabe o que nos reserva o futuro? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Disse isso com
um ar sombrio e reflexivo, que assustou Tancredo. Mas desta vez ele parecia
decidido:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não dá mais. Nosso namoro perdeu a graça. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Bom sinal. Isso quer dizer que ficou
sério.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Não falo de “graça” riso. Falo de
“graça”... empolgação. Não existe mais o prazer da novidade. Ficou tudo muito
previsível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Exagero seu -- protestou a moça. -- Aposto que você não sabe a surpresa que eu
ia lhe fazer hoje. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Surpresa?! Qual?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ia lhe convidar pra gente ir ao shopping assistir um filme e depois comer
pizza. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Mas a gente faz isso o tempo todo!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Por isso eu disse que “ia” lhe fazer a surpresa. Como sei que você não suporta
esse programa, desisti de propor a ideia. Viu como lhe conheço bem?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Tancredo
suspirou, já se dando por vencido. Cada vez mais se convencia de que, se
quisesse acabar tudo, tinha que ir embora sem dar explicações <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Está bem... Vamos esperar mais um pouco. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Que foi que eu disse? Você ia se arrepender...
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Ficou
um tempo pensativa: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Só lhe peço uma coisa. Se um dia resolver mesmo me deixar, avise antes. Acho
horrível esses casais que vão embora em silêncio, como se nunca tivesse havido
nada entre eles. Você promete antes conversar? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Prometo.</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">-- Eu juro, juro que sempre vou respeitar suas
decisões!</span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> </span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-46492639225719871552016-05-04T14:03:00.000-07:002016-05-04T14:03:10.119-07:00Atrapalhados<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Os
dois vão de carro pela estrada e de repente sentem um solavanco. <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ai, Joaquim. Parece que o pneu estourou.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Como sabes?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não ouviste o barulho?... Vamos descer.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Descem,
examinam as rodas e veem que, de fato, um dos pneus está murcho. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Anda, vai atrás de um macaco. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Como?! O zoológico fica a mais
de 30 quilômetros!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não me a refiro ao animal macaco, mas ao instrumento que serve para suspender o
carro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Suspender? Mas o que ele fez de errado? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Estúrdio! Não falo de aplicar uma suspensão, mas de levantar um dos lados para
mudar o pneu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ah... -- dá-se conta Joaquim. Abre o porta-malas e tira o macaco. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pronto. Está aqui. -- Insere o macaco no lugar adequado e começa a rodar a
manivela. O carro se levanta aos poucos do lado esquerdo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Eh, Joaquim! O pneu furado está no lado
direito. Tens que trocar de posição.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Joaquim retirara
o macaco e o leva paro o outro lado. Repete a operação anterior. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pronto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pronto? Não achas que falta alguma coisa?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Deixa-me ver... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
O estepe, o estepe. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Estepe? Mas vejo aqui muitas árvores... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Refiro- me ao pneu de suporte. Vai buscar.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não há por aqui loja de pneus. Onde iríamos comprá-lo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não sabes que ele fica no compartimento de trás? Junto do macaco? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ah, então então era para isso que ele servia...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
“Servia”?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
É que... como o pneu estava sem uso e eu precisava de dinheiro, vendi-o na
semana passada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Vendeste? E agora? Como vamos tirar o carro do prego? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não é o prego que deve ser tirado do carro?
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Claro, claro... Quero dizer: como vamos chegar em casa? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ainda tenho aqui algum dinheiro, dá para pegarmos um ônibus. Em casa
providenciamos um reboque. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Brilhante ideia! Felizmente ainda pensas. Vamos esperar o ônibus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Ficam
um tempo à beira da estrada e veem que o céu está se carregando de nuvens. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
E agora? Vai chover. Vou buscar o
guarda-chuva no carro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Corre, Joaquim. Faz mesmo isso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pensando bem, por que não entramos no automóvel? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Mas não é perigoso, com um pneu furado? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ficamos só o tempo de passar a chuva, homem.
<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Sendo assim, está bem.<o:p></o:p></span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-32728428934610042042016-05-04T14:00:00.001-07:002016-05-04T14:00:10.006-07:00Carnaval e solidão<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;"> “Festa do
pecado” – foi com esse tipo de rótulo que o Carnaval, desde cedo, apresentou-se
à minha imaginação. Falava-se nele como “festa da carne”, alegria dos baixos
instintos, frenesi do demo. Por isso eu sempre o recebi com uma ponta de
remorso. Brincar o carnaval era transgredir não sei que piedosas regras, era
comprometer-se com o inferno. O corpo gozava, mas esse prazer de poucos e
efêmeros dias acabava tendo um preço.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">No
entanto o Carnaval não é penas gozo do corpo, prazer dos instintos. Comporta
uma outra dimensão, cheia de fantasia e sonho, alimentada pelo dramatismo de
paixões que entristecem e dilaceram. Em cada folião ou foliã anônimos, sonhando
nas esquinas sombrias com o próximo parceiro, reflete-se a paixão transfigurada
de Pierrô, Colombina e Arlequim. Ninguém admite que saia à rua apenas para
brincar – pelo contrário: a brincadeira é também esperança de algo maior,
transcendente. É o sonho de uma grande paixão, o desespero fantasiado em riso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;"> Dos autores que escreveram sobre essa
festa, um dos que mais me impressionaram foi João do Rio. Há em suas crônicas e
nos seus contos o sentimento do homem dividido entre a alegria e o remorso, e
para quem o prazer físico é uma emoção torpe. João do Rio retrata a <i>belle époque</i>, tempo de crise e subversão
de valores no qual as contradições, por mínimas que fossem, ganhavam um acento
patético. Mesmo descontando-se os exageros da época, ressalta de seus textos,
colorida e potencializada pelo impressionismo do estilo, a velha oposição entre
carne e espírito, que comumente vem à tona numa época como a de agora. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">E
lá estão, nos textos do carioca, personagens ansiosos por mergulhar na noite,
perder-se na devassidão e no abismo de outros corpos. Vão arrependidos,
exalando em palavras de autocomiseração e tédio o odor de seus baixos
instintos. Até que são punidos por uma espécie de logro que lhes é dado pelo
objeto de desejo, que se apresenta horroroso e hediondo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Assim,
por exemplo, a mulher mascarada e aparentemente linda revela-se, quando lhe
arrancam a máscara, doente e disforme. Não é uma Vênus, como parecia; é um
aleijão, de cujo nariz jorra pus. Por essa deformação estética, que frustra
qualquer possibilidade de satisfação física, corrige-se um desvio ético e
revela-se, ao mesmo tempo, o moralismo do autor. O esnobe e homossexual João do
Rio, tão criticado pela sociedade da época, não passava de um moralista severo.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;"> Mas o nosso tempo é outro, bem mais
prático e comercial. Longe estamos dos excessos da <i>belle époque</i>. Hoje é o governo que alardeia preocupação com a nossa
saúde venérea, incitando-nos ao uso da camisinha. O pecado é não se prevenir,
ficar doente, mas não é errado transgredir os limites do corpo. Este parece
aberto a todo tipo de prazer. E a virgindade vale muito pouco.</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;"> Mesmo
assim o Carnaval ainda preserva o romantismo de outros tempos. É falsa, mesmo
na permissividade da folia, a alegação de que ninguém é de ninguém. Para além
do corpo que se oferece, em riso lúbrico e escancarado, sonhamos com alguém que
venha e não vá embora. Alguém que fique e nos socorra depois – quando a
lembrança do gozo desfeito não for mais que uma evidência de solidão. </span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-26989122840369372372016-05-04T13:54:00.002-07:002016-05-04T13:57:04.584-07:00Educação<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O
homem se prepara para almoçar e vê que um amigo se aproxima da mesa.</span><b><span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"><o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
É servido? </span><b><span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"><o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> O outro não hesita: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Sim. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Como? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Sou servido, sim. Estou com fome e sem
dinheiro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Fica
meio desapontado: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Perguntei por perguntar, ora. Este
almoço é meu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Mas você acabou de me oferecer... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Fiz isso por educação. É assim que a
gente age quando está comendo ou bebendo alguma coisa e aparece outra pessoa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Mas você não está comendo. Ainda ia
começar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Ia? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ia, sim. Como me ofereceu e eu aceitei, não vai mais. Se não queria dividir a
comida comigo, por que perguntou se eu era servido? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Porque isso é praxe. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Praxe?! Você despertou em mim uma falsa
expectativa, zombou do meu instinto de sobrevivência e conservação. Não calcula
o quanto minhas papilas gustativas se alegraram no breve momento em que fez a
oferta. Meu estômago deixou momentaneamente de roncar. Meus intestinos, que não
trabalham há mais de 24 horas, começaram a fazer aquecimento...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O
outro, já perdendo a paciência, arrisca um último apelo:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Vá embora e me deixe comer. Apenas tentei
ser educado, já disse. E você foi grosso ao levar meu oferecimento a sério.
Quebrou uma regra social. Eu devia, quando você entrou, ter ficado indiferente
e começado a almoçar. Por sinal, a comida está esfriando.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Tudo bem, vou embora. Mas saiba que nunca fui tão destratado. Você foi
hipócrita e agora se mostra insensível. Não se convida alguém para a mesa e
depois o escorraça. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Escorraça? Já disse que não lhe convidei. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Ficam
um tempo em silêncio, até que o que ia almoçar se dá por vencido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Está bem. Tome, é seu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Sério?!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Sério.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O
outro se senta e pega avidamente o garfo, enquanto o amigo se levanta para ir
embora. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Já vai? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Vou. Para mim, basta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Espere.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- O que você ainda quer? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Obrigado -- diz, com aparente comoção. E
antes de engolir a primeira garfada, pergunta com um ar entre culpado e
temeroso: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Servido?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Moral
da história: de nada valem as regras quando impera a necessidade.<o:p></o:p></span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-30997191737471293192016-05-04T13:48:00.003-07:002016-05-04T13:48:53.485-07:00Como eu quero envelhecer<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Minha
irmã médica pede que eu divulgue um concurso de redação proposto pela Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia sobre o tema “Como eu quero envelhecer”.
O concurso se destina a alunos do primeiro e segundo anos do ensino médio, mas
me deixou motivado. Fiquei pensando em como eu gostaria de enfrentar essa prova
que a natureza nos reserva.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Se a velhice é obra da natureza, o sensato é
enfrentá-la de modo natural. Simplesmente deixar que ela venha, dispensando os
artifícios com que tantos procuram negá-la. Nada de plástica, nada de pintar os cabelos, nada de se vestir
como um garoto. Tais recursos não disfarçam a passagem do tempo e acabam dando
aos que deles se servem um aspecto caricato. Revelam desconforto e sofrimento
com a perda da juventude, quando a maior vitória é mesmo aceitá-la. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Dizer que a velhice tem os seus
prazeres é um lugar-comum, mas não há como fugir a ele. O cansaço do corpo
propicia uma abertura do espírito, que se torna mais sensível à beleza. Quero
envelhecer com tempo para ver bons filmes, apreciar boas pinturas, ler alguns
livros que não li. E sobretudo (o mais difícil) fazer grandes viagens. Quero
envelhecer não com riqueza, mas com o dinheiro suficiente para conhecer alguns
dos importantes centros culturais e artísticos do mundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Quero envelhecer fazendo o que sempre
tenho feito e desprezando esta palavrinha mortífera – aposentadoria. Envelhecer
no trabalho, que dá sentido à vida. Afinal, somos o que fazemos. Quero
envelhecer fiel aos meus princípios, mesmo errados e às vezes confusos, porque
bons ou maus são eles que me seguram. Mas também quero forças para mudar quando
isso for útil aos que me cercam e não representar uma traição a mim mesmo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Quero ficar velho com habilidade não
para esperar a morte, mas para me desprender da vida. A morte nada tem de
transcendente; morto, não estarei em lugar nenhum. A vida, sim, transcende. Ela
é o grande mistério, e a perspectiva de perdê-la requer sabedoria. Quero
enfrentar isso com coragem e decência.</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; text-indent: 35.45pt;"> Quero
envelhecer com bom humor para encarar o espelho e o olhar das pessoas,
sobretudo aquelas que passam anos sem nos ver e mal disfarçam a surpresa quando
se deparam conosco (parecem não se dar conta de que o espanto é
recíproco). Quero envelhecer sem
rancores, perdoando a quem me feriu e merecendo o perdão daqueles a quem fiz
mal. Com isso eu teria um bom veredicto no julgamento dos homens e poderia,
quem sabe, permanecer algum tempo na sua memória.</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; line-height: 115%; text-indent: 35.45pt;"> Quero envelhecer aprendendo a dizer certas
palavras a quem amei, palavras que ficarem recolhidas por encabulamento ou
falta de jeito.</span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; line-height: 115%; text-indent: 35.45pt;"> </span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; line-height: 115%; text-indent: 35.45pt;">Também quero envelhecer
sem o mau humor nem o azedume tão comuns a boa parte dos velhos, que parecem
desprezar os que em outra quadra do tempo desfrutam a vida (como se essa
oportunidade não lhes tivesse sido ofertada). Quero sobretudo envelhecer com
lucidez, dono do meu corpo e do meu espírito. Se isso for impossível, não faço
questão de ir embora mais cedo. </span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-650725723818050812016-05-04T07:49:00.004-07:002018-03-04T04:33:41.537-08:00O melhor amigo<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Nestor
tinha pavor de ser traído. Casado há dois anos com Verinha, sofria pesadelos
imaginando-a com outro. Como esse medo se tornava uma obsessão, ele sentiu que
precisava desabafar com alguém para não enlouquecer. Pensou em Eduardo, seu melhor
amigo. E um dia, entre uma cerveja e outra, falou-lhe da sua angústia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O
amigo, para surpresa de Nestor, não lhe tirava a razão:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Longe de mim duvidar da honestidade de Verinha, mas hoje os tempos são outros.
Li recentemente que as mulheres estão traindo tanto quanto os homens. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Você leu? Onde? -- quis saber Nestor, aflito, passando sem querer a mão na
testa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ah, li em vários lugares... E tenho uma tese sobre isso: as mulheres traem
justamente os pudicos, os certinhos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Os certinhos... como eu? Explique melhor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Eduardo
emborcou metade do copo de cerveja e prosseguiu: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Para mim, mulher só é fiel quando tem medo de ser traída. A fidelidade nela não
é uma virtude, mas uma estratégia de defesa. A mulher só ignora os outros
homens quando convive, concretamente, com a possibilidade de perder o seu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Mas isso é um absurdo! Ou você está doido, ou leu muito Nelson Rodrigues. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Vá por mim, Nestor. Quer que Verinha seja fiel a você? Dê a entender a ela que
tem outra -- ou melhor: tenha mesmo outra! Ela vai ficar tão concentrada nisso,
que não enxergará no mundo outro homem além de você. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> A
conversa não saiu da cabeça de Nestor, que terminou vendo algum sentido nas
palavras de Eduardo. Precisava
“preocupar” Verinha para que ela não tivesse tempo nem ânimo de pensar em
outro. Uma semana depois começou a namorar Alzira, caixa de uma lanchonete que,
havia já algum tempo, enrubescia quando lhe passava o troco. Como trabalhavam
de dia, marcaram para se ver de noite pelo menos uma vez na semana. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Verinha,
claro, começou a desconfiar. O que podiam significar aquelas fugas noturnas
senão outra mulher? Sofreu em silêncio até que não aguentou mais e resolveu se
abrir com alguém. E ninguém mais adequado para confidente do que Eduardo, o
melhor amigo do marido. Ele devia saber de alguma coisa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">E
sabia mesmo. Eduardo lhe propôs um encontro numa lanchonete (a mesma, por
sinal, onde Alzira trabalhava) para conversarem sobre “o caso” de Nestor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ele tem um caso? -- foi a primeira pergunta que Verinha fez antes de pedirem um
sanduíche com suco de laranja. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Infelizmente, sim. Você não merecia... ou melhor: merecia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Eu merecia? Por quê?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Verinha, você não conhece a psicologia masculina. A fidelidade no homem não é
uma virtude, mas uma estratégia de defesa. O homem só ignora as outras mulheres
quando convive, concretamente, com a possibilidade de perder a sua. Por que não
lhe dá uma lição? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Lição? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Claro. Arranje alguém. Quando Nestor desconfiar de que você tem outro, vai
ficar desesperado e se tornar de novo um marido fiel.</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Verinha ficou impressionada com a conversa. Dias
depois, telefonou para Eduardo a fim de aprofundarem o assunto. E não só para
isto. Se tinha mesmo que trair Nestor, que fosse com alguém que lhe dissera
palavras tão profundas.</span></div>
</div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-84699254351266010042016-05-04T07:40:00.004-07:002023-06-21T10:12:59.086-07:00Conversa com o "Bruxo" <div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2ySHSphIoT7RiFWQ8iEARA_7yydhB_LEmyAEhCVAYJ2zDtq-F1ILdxtsOKCGodkygEf3rcT8t3cEvkQeDnt7x36MTco84AzkKItwAC0WPBrRiU3CDoFRw91Ub4hTfgbJDihociiYoI_iEJmp4XwyAp0FzXeYEgye7fldNHVrbqa5kXRxMvQJHRUjRS3r2/s1200/machado-de-assis-og.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="630" data-original-width="1200" height="168" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2ySHSphIoT7RiFWQ8iEARA_7yydhB_LEmyAEhCVAYJ2zDtq-F1ILdxtsOKCGodkygEf3rcT8t3cEvkQeDnt7x36MTco84AzkKItwAC0WPBrRiU3CDoFRw91Ub4hTfgbJDihociiYoI_iEJmp4XwyAp0FzXeYEgye7fldNHVrbqa5kXRxMvQJHRUjRS3r2/s320/machado-de-assis-og.webp" width="320" /></a></div><br /> Aproveito
a releitura de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”<i> </i><st2:dm w:st="on">para</st2:dm> <st2:hm w:st="on">trocar</st2:hm> <st1:verbetes w:st="on">um</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">dedo</st1:verbetes> de <st1:verbetes w:st="on">prosa</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">com</st1:verbetes> o <st1:verbetes w:st="on">seu</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">autor</st1:verbetes>. “<st2:hm w:st="on">Trocar</st2:hm>” <st1:verbetes w:st="on">não</st1:verbetes> é <st2:dm w:st="on">bem</st2:dm> o <st1:verbetes w:st="on">termo</st1:verbetes>, <st2:dm w:st="on">pois</st2:dm> <st1:verbetes w:st="on">só</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">quem</st1:verbetes> falou foi <st1:verbetes w:st="on">Machado</st1:verbetes>.
<st1:verbetes w:st="on">Nossa</st1:verbetes> <st2:dm w:st="on">conversa</st2:dm>,
<st1:verbetes w:st="on">além</st1:verbetes> de <st1:verbetes w:st="on">instrutiva</st1:verbetes>,
serviu-me <st2:dm w:st="on">para</st2:dm> <st2:hdm w:st="on">matar</st2:hdm> o <st2:dm w:st="on">tédio</st2:dm> do <st1:verbetes w:st="on">domingo</st1:verbetes>.
Espero <st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes> tenha <st2:dm w:st="on">para</st2:dm>
o <st1:verbetes w:st="on">leitor</st1:verbetes> a <st1:verbetes w:st="on">mesma</st1:verbetes>
<st2:dm w:st="on">serventia</st2:dm>:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
O <st2:dm w:st="on">senhor</st2:dm> é <st1:verbetes w:st="on">um</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">autor</st1:verbetes> melancólico. <st1:verbetes w:st="on">Por</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes> se <st1:verbetes w:st="on">liga</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">tanto</st1:verbetes> no <st1:verbetes w:st="on">passado</st1:verbetes>?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
O <st1:verbetes w:st="on">menos</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">mau</st1:verbetes>
é <st2:hm w:st="on">recordar</st2:hm>. <st1:verbetes w:st="on">Ninguém</st1:verbetes>
se fie da <st1:verbetes w:st="on">felicidade</st1:verbetes> <st2:dm w:st="on">presente</st2:dm>;
há nela uma <st1:verbetes w:st="on">gota</st1:verbetes> da <st1:verbetes w:st="on">baba</st1:verbetes>
de Caim. <st1:verbetes w:st="on">Corrido</st1:verbetes> o <st1:verbetes w:st="on">tempo</st1:verbetes>
e cessado o <st1:verbetes w:st="on">espasmo</st1:verbetes>, <st1:verbetes w:st="on">então</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">sim</st1:verbetes>, <st1:verbetes w:st="on">então</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">talvez</st1:verbetes> se
pode <st2:hdm w:st="on">gozar</st2:hdm> <st1:verbetes w:st="on">deveras</st1:verbetes>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
<st1:verbetes w:st="on">Em</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">sua</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">obra</st1:verbetes> é <st1:verbetes w:st="on">comum</st1:verbetes>
o <st1:verbetes w:st="on">tema</st1:verbetes> da <st1:verbetes w:st="on">loucura</st1:verbetes>.
Há alguma <st1:verbetes w:st="on">justificativa</st1:verbetes> <st2:dm w:st="on">para</st2:dm>
<st1:verbetes w:st="on">isso</st1:verbetes>?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;"> -- O <st1:verbetes w:st="on">mundo</st1:verbetes>
da <st2:dm w:st="on">lua</st2:dm>, <st1:verbetes w:st="on">esse</st1:verbetes> <st2:dm w:st="on">desvão</st2:dm> <st1:verbetes w:st="on">luminoso</st1:verbetes> e
recatado do <st1:verbetes w:st="on">cérebro</st1:verbetes>, <st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">outra</st1:verbetes> <st2:dm w:st="on">coisa</st2:dm> é <st1:verbetes w:st="on">senão</st1:verbetes> a
afirmação desdenhosa da <st1:verbetes w:st="on">nossa</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">liberdade</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">espiritual</st1:verbetes>?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
<st1:verbetes w:st="on">Por</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes>
escolheu <st1:verbetes w:st="on">um</st1:verbetes> “<st1:verbetes w:st="on">morto</st1:verbetes>”<i> </i><st2:dm w:st="on">para</st2:dm> <st2:hm w:st="on">ser</st2:hm> o narrador de “Memórias Póstumas...”?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
A <st1:verbetes w:st="on">franqueza</st1:verbetes> é a <st1:verbetes w:st="on">primeira</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">virtude</st1:verbetes> de <st1:verbetes w:st="on">um</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">defunto</st1:verbetes>. O <st2:hm w:st="on">olhar</st2:hm>
da <st1:verbetes w:st="on">opinião</st1:verbetes>, <st1:verbetes w:st="on">esse</st1:verbetes>
<st2:hm w:st="on">olhar</st2:hm> <st1:verbetes w:st="on">agudo</st1:verbetes> e
<st1:verbetes w:st="on">judicial</st1:verbetes>, perde a <st1:verbetes w:st="on">virtude</st1:verbetes>,
<st1:verbetes w:st="on">logo</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes>
pisamos o <st1:verbetes w:st="on">território</st1:verbetes> da <st2:dm w:st="on">morte</st2:dm>. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
De <st1:verbetes w:st="on">fato</st1:verbetes>, <st1:verbetes w:st="on">um</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">morto</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">não</st1:verbetes>
se importa <st1:verbetes w:st="on">com</st1:verbetes> o <st2:dm w:st="on">julgamento</st2:dm>
<st1:verbetes w:st="on">alheio</st1:verbetes>...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
<st1:verbetes w:st="on">Não</st1:verbetes> há <st1:verbetes w:st="on">nada</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">tão</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">incomensurável</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">como</st1:verbetes> o <st1:verbetes w:st="on">desdém</st1:verbetes>
dos finados.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;"> -- <st1:verbetes w:st="on">Por</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes> é <st1:verbetes w:st="on">tão</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">difícil</st1:verbetes> a <st1:verbetes w:st="on">franqueza</st1:verbetes>
nas <st1:verbetes w:st="on">relações</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">sociais</st1:verbetes>?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
A veracidade <st1:verbetes w:st="on">absoluta</st1:verbetes> é <st1:verbetes w:st="on">incompatível</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">com</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">um</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">estado</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">social</st1:verbetes> adiantado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
<st1:verbetes w:st="on">Outro</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">tema</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">recorrente</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">em</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">sua</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">obra</st1:verbetes>
é a ambiguidade <st1:verbetes w:st="on">moral</st1:verbetes> do <st2:hm w:st="on">ser</st2:hm>
<st1:verbetes w:st="on">humano</st1:verbetes>. <st1:verbetes w:st="on">Por</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">quê</st1:verbetes>?
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;"> --
O <st1:verbetes w:st="on">vício</st1:verbetes> é muitas <st1:verbetes w:st="on">vezes</st1:verbetes>
o <st1:verbetes w:st="on">estrume</st1:verbetes> da <st1:verbetes w:st="on">virtude</st1:verbetes>.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
<st1:verbetes w:st="on">Até</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes>
<st2:dm w:st="on">ponto</st2:dm> essa ambiguidade é <st1:verbetes w:st="on">determinada</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">por</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">fatores</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">externos</st1:verbetes>?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
<st1:verbetes w:st="on">Não</st1:verbetes> se pode <st1:verbetes w:st="on">honestamente</st1:verbetes>
<st2:hm w:st="on">atribuir</st2:hm> à <st2:dm w:st="on">índole</st2:dm> <st1:verbetes w:st="on">original</st1:verbetes> de <st1:verbetes w:st="on">um</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">homem</st1:verbetes> o <st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes> é <st1:verbetes w:st="on">puro</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">efeito</st1:verbetes> de <st1:verbetes w:st="on">relações</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">sociais</st1:verbetes>.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
<st1:verbetes w:st="on">Apesar</st1:verbetes> disso, transparece na <st1:verbetes w:st="on">sua</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">obra</st1:verbetes> a
ideia de <st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes> o <st1:verbetes w:st="on">homem</st1:verbetes>
é <st1:verbetes w:st="on">fundamentalmente</st1:verbetes> egoísta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
O <st1:verbetes w:st="on">nosso</st1:verbetes> espadim é <st1:verbetes w:st="on">sempre</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">maior</st1:verbetes> do <st1:verbetes w:st="on">que</st1:verbetes>
a <st1:verbetes w:st="on">espada</st1:verbetes> de Napoleão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14pt;">--
<st1:verbetes w:st="on">Que</st1:verbetes> <st1:verbetes w:st="on">conselho</st1:verbetes>
o <st2:dm w:st="on">senhor</st2:dm> daria a <st1:verbetes w:st="on">um</st1:verbetes>
<st1:verbetes w:st="on">jovem</st1:verbetes> de <st1:verbetes w:st="on">hoje</st1:verbetes>?<o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> -- </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">Trata</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;">
de </span><st2:hm style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">saborear</st2:hm><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> a </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">vida</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;">;
e fica sabendo </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">que</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> a </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">pior</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">filosofia</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;">
é a do </span><st2:dm style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">choramingas</st2:dm><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">que</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;">
se deita à </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">margem</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> do </span><st2:dm style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">rio</st2:dm><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;">
a </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">fim</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> de </span><st2:hm style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">lastimar</st2:hm><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;">
o </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">curso</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;"> </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">incessante</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;">
das </span><st1:verbetes style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-align: justify;" w:st="on">águas</st1:verbetes><span style="font-family: 'times new roman', serif; font-size: 14pt; text-align: justify;">.</span>Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-16629733150906930812016-05-04T07:38:00.000-07:002019-01-13T05:07:19.286-08:00Fidelidade canina<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O
casamento deles andava morno. Os dois fingiam não reconhecer isso, mas chegou chegara o momento em que não dava mais para disfarçar. Foi então que uma noite, depois
de jantarem, Clodoaldo falou meio sem jeito para Tâmara: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Acho que devemos dar um tempo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Concordo -- disse ela prontamente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Amanhã vou dar entrada nos papéis. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ótimo. -- E completou, depois de um breve intervalo: -- Não faço questão de
muita coisa. Vendemos o apartamento, e você me dá a metade. Fico também com um
dos carros, e com Totó.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ah, isso não! Totó é meu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Seu? Por quê? Fui eu que sempre dei comida, limpei o xixi, cuidei dele quando
ficou doente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Mas eu fui quem lhe deu o nome. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Um nome, por sinal, originalíssimo! -- ironizou Tâmara. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
E você queria “Brad Pitt”! “Brad Pitt Bull”! Ridículo... Não entende nada de
cães. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
E você não entende nada de mulheres. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Totó,
que cochilava perto dos dois, parecia perceber que era o assunto da
conversa. Baixou uma orelha e eriçou a outra, como se quisesse escutar
melhor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ou levo Totó comigo, ou não me separo! -- sentenciou a mulher. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
O mesmo digo eu. Sem Totó, não há separação! <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Ficaram uns dias nisso, chateando-se
mutuamente e agora em rixa declarada por causa do cachorro. Então Clodoaldo
teve a ideia: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Vamos deixar que ele decida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ele?! .Como? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Botamos nossas malas na sala e fingimos que vamos sair de casa. Cada um chama
Totó. Vamos ver para quem ele se dirige. O vencedor o ganha para sempre.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Tâmara
aprovou. Tinha com o cachorro uma convivência mais íntima do que o marido, que
se limitava a levá-lo para passear e fazer as necessidades fora do apartamento.
Clodoaldo via nesse encargo seu trunfo; confiava na atração que os machos têm
pela liberdade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Fizeram
como planejado. O cão se habituara a vê-los preparar as malas para viajar.
Sabia o que ia ocorrer quando as bagagens ficavam na sala por um, dois dias.
Dessa vez estranhou, pois cada um dos donos se postou junto a uma mala e
começou a chamar por ele. “Aqui, Totó!”
“Não, Totó. Aqui!” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Valia
tudo -- estalar os dedos, amaciar a voz, dar pancadinhas no chão. Atarantado, o
animal não sabia o que fazer. Olhava alternadamente para um e para o outro,
ameaçava ir numa direção mas logo recuava.</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;"> Repetiram mais de uma vez a experiência, e nada.
Como o cachorro não se decidia, o casamento ia se mantendo. A cada nova
encenação Totó se mostrava mais firme e equidistante. Parecia ter consciência de que a sua
fidelidade aos dois era o que ainda os mantinha juntos.</span></div>
</div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-31014560106363751082016-05-04T07:31:00.002-07:002018-12-23T09:55:25.174-08:00O galo e o peru <div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>- Uma
antifábula natalina –<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Véspera de Natal. No quintal de uma
família de classe média, estão um galo e um peru. O galo caminha alegre,
balançando a crista. Já o peru não sai do canto e mal disfarça a tristeza. Sabe
o que o aguarda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">De repente o galo canta. O peru então o
interroga com um misto de surpresa e ressentimento:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Por que essa alegria?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Porque tenho alguma coisa a ver com
o que acontece hoje. Um de meus ascendentes saudou o nascimento do Menino. Foi
a trombeta auroreal de um novo mundo. Como eu não iria me alegrar?... E
você? Qual a razão dessa cara?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Ora... Daqui a pouco vou virar
comida para os que vêm festejar o nascimento a que você se refere. Queria que
eu estivesse contente?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Procure aceitar. Trata-se de uma grande
causa. Além do mais, você terá tudo para ser o rei da festa. Muitos o acharão
macio, crocante, bem temperado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Isso não vai depender de mim, mas da
cozinheira. Esqueceu que estarei morto?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Estará sem vida, mas será o centro
das atenções. E o mais importante: representará ali a grande nota de realidade.
Mais do que a árvore, as músicas, os cumprimentos formais, dará testemunho da
natureza do homem. O sucesso dessa noite vai se medir pelo prazer que der
aos convivas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Tem certeza?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Claro! Você vai saciar-lhes o
apetite do corpo, que é mais profundo do que o da alma. Se vir as coisas por
esse lado, se convencerá da sua importância. </span><br />
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O Peru parece impressionado
com essas palavras. </span><span style="font-family: "times new roman", serif; font-size: 14pt; text-indent: 35.45pt;">O galo volta a se distanciar, balançando a crista, e canta de novo sem
motivo. Ou, quem sabe, devido à alegria de não ser peru. Quando volta de mais
um passeio, ouve novo desabafo:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Sua retórica não me convence. É
fácil elogiar um condenado à morte quando se vai permanecer vivo. Aposto
que está contente por não ocupar o meu lugar.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Não nego... Mas você sabe que meu
dia vai chegar. E não terá o mesmo brilho do seu. Vou “reinar” num
desses banais almoços de domingo, com música estridente ao fundo e cerveja em
vez de champanhe.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Nesse momento a cozinheira vem
interromper a conversa dos dois. Tem na mão uma peixeira brilhante. Com o ar decidido,
dirige-se ao peru.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">A ave não esboça reação alguma. Quando é alçada e apertada de encontro à barriga da mulher, ouve ainda
o galo cantar. Pela terceira vez.<o:p></o:p></span></div>
<br /></div>
</div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-6433029737251505012016-05-04T07:27:00.002-07:002019-04-14T11:37:18.445-07:00O outro<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Marcílio
acordou cedo e ficou olhando a mulher dormir. Gostava de vê-la assim,
imperturbável, entregue ao sono. De repente ela sorriu. Devia estar sonhando
uma coisa boa. Talvez com ele, quem sabe? Junto com o sorriso, balbuciava uma
palavra. O marido se curvou para ouvir: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Leopoldo... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Leopoldo?!
Quem era Leopoldo? Levantou-se, intrigado, e foi fazer a barba. O episódio
ficou martelando sua cabeça, mas só falou sobre ele durante o jantar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Marisa... quem é Leopoldo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Hã?! Nunca vi mais gordo. Por quê? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Hoje
de manhã, enquanto sonhava, você pronunciou esse nome.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Explicou-lhe em detalhes o que tinha
acontecido. A mulher escutava entre surpresa e divertida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- Você
agora deu para fiscalizar meu sono? Pois saiba que nem me lembro de ter
sonhado. Só sei que tenho dormido muito
bem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Marcílio
se chateou com o tom em que ela dissera isso, mas não tinha por que desconfiar.
“Leopoldo” devia ser um colega de infância que ela já havia esquecido e
emergira no sonho sem motivo aparente. Sonhos têm dessas coisas absurdas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">No dia
seguinte acordou mais cedo e se postou ao lado da mulher, que ressonava
placidamente. Ela tinha a expressão satisfeita que ele vira na noite anterior.
De repente fechou o rosto, e disse: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Leopoldo, fomos descobertos. Por favor, não apareça mais. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Quando Marisa despertou, uma meia
hora mais tarde, viu Marcílio ao seu lado tenso e muito sério.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">-- O que
foi que houve? Falei de novo no sonho? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Ele não
respondeu e, ao longo do dia, ficou de cara amuada. Estava convencido de que a mulher tinha um
amante -- real ou onírico, mas um amante. Amante onírico? Uma ova! Precisava
descobrir quem era o tal Leopoldo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Marisa
notava o marido cada vez mais calado e começou a se preocupar. O amante do
sonho tinha virado para ele uma obsessão. Se não fizesse alguma coisa, o
casamento entraria numa crise talvez sem volta. Mas fazer o quê? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">A crise
se instalou quando Marcílio disse que não dormiria mais com ela. Ficaria por
uns tempos no sofá. Marisa respondeu que isso era uma tolice e um risco, pois
na sala corria vento encanado e ele sofria dos pulmões. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Essa
consideração demoveu o homem, que já contraíra algumas bronquites. Dormiu ao
lado dela e, claro, não resistiu a acordar mais cedo e observá-la. Era já um
exercício masoquista, que alimentava o seu rancor e parecia servir de
justificativa para a vingança que estava preparando. Como nos outros dias, ela começou a
balbuciar: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Leopoldo... vá embora. Acabou-se. Descobri que amo meu marido mais que tudo
neste mundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Ao
pronunciar a palavra “marido”, procurou dar ao rosto a expressão que Marcilio
dissera que ela tinha quando se dirigia ao “outro”. Esperou que ele se
levantasse para ir ao banheiro e só então abriu os olhos. Ouviu-o cantarolar
enquanto fazia a barba... O fingimento tinha dado certo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Difícil
seria impedir que Leopoldo continuasse a entrar nos seus sonhos.<o:p></o:p></span></div>
</div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-67770879976469196692016-05-04T07:23:00.000-07:002018-12-08T04:39:23.028-08:00A nota<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> O
maior risco da interpretação é o intérprete ver no texto o que não existe. A
essa prática, dá-se o nome de superinterpretação. Superinterpretar é ir muito
além do que está dito. É propor intenções, sugestões, duplos sentidos, quando o
que se evidencia não passa muitas vezes de mediocridade. Isso pode ocorrer de
boa ou má-fé. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Um exemplo de má-fé está na correção
que certo professor fez ao texto de um estudante que “precisava passar”. O tema
da redação era “a amizade”, e o aluno se limitou a escrever: “Num tô afim de
falá disso agora, pô. Tô sem ninguém.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> O mestre lhe deu 8,0, que era nota a
necessária para a aprovação. Convocado à diretoria para se explicar, redigiu o
seguinte comentário:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> “O
texto é sintético, ou seja, não revela o pecado da verborragia. A economia de
meios expressivos se constitui num importante fator de coerência, pois o
excesso de palavras não combinaria com a resolução do aluno em não escrever.
Essa atitude de recusa, em que se percebe um misto de tédio e rebeldia,
determina o minimalismo que orienta toda a redação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> “Vejamos algumas provas disso. O
advérbio ‘não’ é trocado por ‘num’, bem mais incisivo devido à ausência do
ditongo. Com um ‘não’ é possível negociar; com um ‘num’ -- abusado e
peremptório -- jamais. Merece também realce a troca de ‘estou’ por ‘tô’, em que
a supressão do fonema inicial (aférese) reforça a propensão ao tartamudo, ao
pontual, ao monossilábico, própria de quem não quer muita conversa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">“A
seguir vêm duas infrações à norma culta que, no entanto, se tornam funcionais
no contexto de rejeição instaurado desde as primeiras linhas. A troca de ‘a
fim’ por ‘afim’ (um erro de morfologia) justifica-se pela intenção de condensar
o sentido dos homônimos. É como se o valor de finalidade, contido na locução
adverbial, se enlaçasse à ideia de afinidade presente no adjetivo, numa espécie
de fusão fonossemântica que procura destacar a indisposição afetiva.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> “Essa indisposição também explica a
forma verbal “falá”, pois a presença do ‘r’ sugeriria uma vibração em nada
condizente com o ânimo do autor (de uma exasperada contundência). Tal ânimo
também se confirma no uso do monossílabo de teor exclamativo que aparece no fim
do período: ‘pô’. Esse ‘pô’ enfático, misto de interjeição e vocativo, acentua
a dramaticidade da negativa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> “No segundo período repete-se a
aférese (Tô), mas agora seguida por uma expressão em português correto (“sem
ninguém”). Nessa parte do texto, de um confessionalismo despojado, o aluno
explica suas razões. Percebemos que sua recusa, e consequentemente seus
deslizes, se deve a ele estar sozinho e por isso não ver sentido em escrever
sobre a amizade. Compreendemos então que a rebeldia que perpassa o texto foi
determinada por razões existenciais, as quais encontraram um correlato perfeito
nas escolhas linguísticas. Essa é a explicação para a nota que lhe dei.”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;"> O aluno acabou passando. O professor,
claro, perdeu o emprego. Algum tempo depois, foi contratado pelo jornal da
situação. Dizem que sua principal função no órgão é fazer a crítica dos poemas
do governador.</span></div>
</div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-9445231377414835022016-05-04T07:20:00.002-07:002016-05-04T07:20:28.497-07:00Papo cabeça<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Eu soube que você tem lido muito. É verdade?<b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
É verdade, sim. Quero decifrar o enigma da vida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Como aquele rei tebano... Qual é mesmo o nome dele? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Aquele que gostava “demais” da mãe? A coisa ficou em segredo, até que veio um
alemão e a revelou pra todo o mundo. O pobre do rei ficou com complexo e saiu
por aí, caminhando, com os pés inchados. Também não lembro o nome dele. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Édipo! E o alemão foi o Freud, aquele que só pensava em sexo. O homem era tão
pra frente que diante dele todo o mundo se sentia recalcado, inferior. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Também pudera! Ele era um gênio do porte de Newton ou...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Newton foi o da maçã, não foi? Dizem que uma maçã caiu na cabeça dele, e uma
parenta que viu tudo começou a rir. Para deixar a moça sem graça, ele inventou
a lei da gravidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pior foi Einstein, que desprezava o ser humano.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ué, quem desprezava não era Schopenhauer?
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não. Era Einstein mesmo. Desprezava tanto, que tirou uma foto estirando a
língua. Como quem diz: “Olhe aqui pra vocês!”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Conheço a foto, mas não acho que ele fez aquilo por desprezo. Pra mim foi
macaquice mesmo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pode ser. Afinal de contas viemos todos do macaco, e vez por outra não
resistimos a uma macaquice. Hobbes que o diga.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Darwin!! Hobbes é outra história -- ele nos associou a lobos. Queria que nos
comêssemos uns aos outros. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não exagere. Ele apenas disse que o homem é o lobo do homem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
E o que faz um lobo, senão devorar a presa? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Eu não concordo com o que você diz, mas seria capaz de recusar o próximo chopp
para lhe garantir o direito de dizer isso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
A frase é profunda, mas não original. Alguém já falou coisa parecida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Voltaire! Mas ele não menciona a cerveja. Portanto, parte da autoria é minha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Voltaire, aquele que serviu de inspiração a um personagem de Stephen King? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não. Voltaire, filósofo do Iluminismo. O personagem de King era o Iluminado e,
ao que me consta, não tinha nada a ver com o autor desta outra frase famosa:
“De pensar morreu um burro.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Essa história eu conheço. Ele não aguentou ver o burro morrer por causa de umas
chibatadas que o dono lhe aplicava, e terminou enlouquecendo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Peraí, esse foi Nietzsche, precursor de um famoso herói de histórias em
quadrinhos -- o Super-Homem. E não era um burro, era um cavalo! <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Nietzsche? O que queria ser Cristo? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pelo contrário. Nietzsche queria ser o Anticristo. Para isso ele se afastou dos
homens; achava que o inferno são os outros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">--
Eu pensava que essa frase era de um francês, Sartre de Beauvoir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">-
Não, esse foi o criador do feminismo moderno... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Faz
uma pausa e esvazia o copo:</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">-- Como esse papo promete ir longe, proponho que
a gente pare com a cerveja. Do contrário, vai começar a confundir as coisas. </span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-11017338116164772132016-05-04T07:14:00.001-07:002016-06-03T12:03:54.043-07:00A volta do boêmio <div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O
velho boêmio voltou. Sentiu que as coisas mudaram quando foi informado de que
deveria procurar o setor de readmissões. Dirigiu-se ao responsável: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Estou aqui de regresso para solicitar minha nova inscrição. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Preencha essa ficha em três vias. É preciso também pagar uma taxa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Uma taxa? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
O pessoal daqui era muito instável, vinha e voltava quando queria. A gente precisava
se garantir, por isso criou um fundo de reserva. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Mas pra que essa formalidade?</span><span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"><span style="font-family: "times new roman" , "serif";"> </span>Voltei
pra rever os amigos que um dia eu deixei a chorar de alegria...<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></div>
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>--
Acho você não vai mais encontrar quase nenhum. A maioria hoje dorme cedo e come
comida natural. Muitos frequentam</span><span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> nossa academia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Está brincando!? </span><span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Sabendo
que andei distante, vai agora ironizar? Certamente quer me punir por ter
deixado a noite. Eu, que fazia serenatas...</span></div>
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"><span style="font-family: "times new roman" , "serif";"> </span> --
Serenata?! Nos dias de hoje?! Você ia incomodar os condôminos e teria que se
explicar à polícia. Se quer paquerar alguém, deixe seu nome no nosso cadastro.
Coloque também endereço, profissão, além de preferências gastronômicas,
artísticas e culturais. A gente compara com as fichas de outras pessoas e, se
for o caso, faz a aproximação via rede social. Basta acrescentar à mensalidade
uma pequena taxa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não preciso disso. Já tenho alguém que floriu meu caminho. Por sinal, estou
aqui por causa dela, que aceitou me dividir com vocês. Vendo a tristeza em que
eu me encontrava, ela chegou pra mim e disse: “-- Meu amor você pode partir;
não esqueça o seu violão.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Uma "Amélia"!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Amélia não, Otília. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Digo que sua mulher é uma "Amélia", uma
tola. Deixar você se divertir com os amigos enquanto fica sozinha em casa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Mas ela sabe que eu sempre voltarei. Até reconheceu, antes de me deixar partir:
“Pois me resta o consolo e alegria de saber que, depois da boemia, é de mim que
você gosta mais.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Depois da boemia?! Mulher nenhuma hoje aceita ficar em segundo plano. Por isso
desenvolvemos um setor para receber também as esposas, ou assemelhadas.
Trabalhamos nisso de olho na otimização dos serviços. Com o acréscimo de 30% na
mensalidade, você pode inscrever Otília. Ela vai conhecer seus amigos e as
mulheres deles. Depois que fizemos isso, os casais passaram a brigar menos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Sabe de uma coisa? Vou embora. Pode rasgar a ficha que acabei de lhe entregar.
Eu queria tudo como era antes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Mas isso não é problema! Nas sextas à noite, temos uma sessão nostalgia. Os
homens vêm sós e podem percorrer antigos becos de ruas estreitas, onde há casas
com janelas para fazerem serenatas. Tudo em ambiente virtual, claro, por isso o
preço... amarga um pouco. Mas lhe garanto que compensa. Nada como a emoção de
voltar aos velhos tempos!</span><span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;">
<b> <o:p></o:p></b></span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-25171771421708925752016-05-04T07:07:00.002-07:002019-04-28T06:17:20.676-07:00Paixão e escrita<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 14.0pt;">Dizem que a <st2:verbetes w:st="on">paixão</st2:verbetes>
cega, por isso os apaixonados são indiferentes aos <st2:verbetes w:st="on">defeitos</st2:verbetes>
do parceiro. Uma <st2:verbetes w:st="on">tradução</st2:verbetes>
aproximada dessa <st1:dm w:st="on">verdade</st1:dm> se encontra no <st2:verbetes w:st="on">velho</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">ditado</st2:verbetes>: “<st2:verbetes w:st="on">Quem</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">ama</st2:verbetes> o <st2:verbetes w:st="on">feio</st2:verbetes>, <st2:verbetes w:st="on">bonito</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">lhe</st2:verbetes> parece”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 14.0pt;">Os apaixonados são movidos por razões <st2:verbetes w:st="on">que</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">só</st2:verbetes> Freud
explica – e <st2:verbetes w:st="on">aqui</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">não</st2:verbetes>
faço <st2:verbetes w:st="on">jogo</st2:verbetes> de <st2:verbetes w:st="on">palavras</st2:verbetes>.
<st2:verbetes w:st="on">Segundo</st2:verbetes> o <st2:verbetes w:st="on">criador</st2:verbetes>
da <st2:verbetes w:st="on">psicanálise</st2:verbetes>, <st2:verbetes w:st="on">nossa</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">atração</st2:verbetes> <st1:dm w:st="on">pelo</st1:dm> <st2:verbetes w:st="on">objeto</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">amoroso</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">não</st2:verbetes> se justifica <st2:verbetes w:st="on">racionalmente</st2:verbetes>.
Decorre de <st2:verbetes w:st="on">nebulosas</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">determinações</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">inconscientes</st2:verbetes>,
<st2:verbetes w:st="on">que</st2:verbetes> remontam a nossas <st2:verbetes w:st="on">vivências</st2:verbetes> infantis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 14.0pt;">O amor paixão (pois há o amor amor, que não se
enquadra no modelo a que me refiro) não passa pelo teste de realidade, pois se
alimenta da fantasia. Alguém já escreveu que a gente se apaixona por metáfora,
ou seja, pela semelhança que encontra entre o ser real e uma imagem dele
moldada em nosso inconsciente. Nunca são a mesma coisa, e um (o ser real) pode
até desmerecer o outro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 14.0pt;">Eis por que a paixão tem um tempo, um prazo de
validade; vai sucumbindo à proporção que do ser idealizado emergem os traços da
pessoa real. É mais ou menos como
naquele truque de espelhos em que a mulher se metamorfoseia em macaco.
Lembro-me de um número desse tipo na Festa das Neves. Aos poucos Monga, a Bela,
vai se transmutando num símio feio e agressivo. Só que, ao contrário do que
ocorre na encenação, na vida a mudança não tem volta. O jeito então é domar o
macaco, habituar-se com sua feiura, aprender a conviver com ele. Essas são
artes do amor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 14.0pt;">Enfim, ninguém se apaixona movido pela razão. Por isso
achei curiosa esta passagem publicada num <st2:verbetes w:st="on">site</st2:verbetes>
de <st2:verbetes w:st="on">adolescentes</st2:verbetes>: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 14.0pt;">“<st2:verbetes w:st="on">Sempre</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">me</st2:verbetes> correspondi <st2:verbetes w:st="on">com</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">meus</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">amigos</st2:verbetes>
<st1:dm w:st="on">via</st1:dm> <st2:verbetes w:st="on">e-mail</st2:verbetes> e
acabei conhecendo outras <st2:verbetes w:st="on">pessoas</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">por</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">meio</st2:verbetes> da <st2:verbetes w:st="on">rede</st2:verbetes>. Cheguei a <st1:hm w:st="on">namorar</st1:hm> <st2:verbetes w:st="on">um</st2:verbetes> dos <st2:verbetes w:st="on">caras</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">com</st2:verbetes> os <st2:verbetes w:st="on">quais</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">eu</st2:verbetes> conversava. <st2:verbetes w:st="on">Mas</st2:verbetes>
fui percebendo, <st2:verbetes w:st="on">com</st2:verbetes> o <st2:verbetes w:st="on">tempo</st2:verbetes>, <st2:verbetes w:st="on">que</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">ele</st2:verbetes> escrevia <st2:verbetes w:st="on">muito</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">mal</st2:verbetes>. Uma <st2:verbetes w:st="on">vez</st2:verbetes>
cheguei a <st2:verbetes w:st="on">lhe</st2:verbetes> <st1:hm w:st="on">devolver</st1:hm>
<st2:verbetes w:st="on">um</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">e-mail</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">com</st2:verbetes> as <st2:verbetes w:st="on">correções</st2:verbetes>.
<st2:verbetes w:st="on">Ele</st2:verbetes> ficou uma <st2:verbetes w:st="on">fera</st2:verbetes>.
<st2:verbetes w:st="on">Mas</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">não</st2:verbetes>
dava <st1:dm w:st="on">para</st1:dm> <st1:hm w:st="on">admitir</st1:hm> <st2:verbetes w:st="on">coisas</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">como</st2:verbetes> ‘ficou
<st1:dm w:st="on">para</st1:dm> traz’, <st2:verbetes w:st="on">ou</st2:verbetes>
‘voçê’, <st2:verbetes w:st="on">ou</st2:verbetes> ‘vamos comê’. O <st1:dm w:st="on">namoro</st1:dm> perdeu <st2:verbetes w:st="on">um</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">pouco</st2:verbetes> do <st2:verbetes w:st="on">brilho</st2:verbetes>.
Se <st2:verbetes w:st="on">antes</st2:verbetes> de <st1:hdm w:st="on">iniciar</st1:hdm>
o relacionamento <st2:verbetes w:st="on">eu</st2:verbetes> soubesse <st2:verbetes w:st="on">que</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">ele</st2:verbetes>
escrevia <st2:verbetes w:st="on">assim</st2:verbetes>, provavelmente <st2:verbetes w:st="on">não</st2:verbetes> teria <st2:verbetes w:st="on">nem</st2:verbetes>
começado.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 14.0pt;">A garota que escreveu isso é uma <st2:verbetes w:st="on">exceção</st2:verbetes>.
<st1:dm w:st="on">Para</st1:dm> <st2:verbetes w:st="on">ela</st2:verbetes> o <st2:verbetes w:st="on">feio</st2:verbetes> linguístico <st2:verbetes w:st="on">não</st2:verbetes>
parece bonito; pelo <st2:verbetes w:st="on">contrário</st2:verbetes>, é <st2:verbetes w:st="on">um</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">defeito</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">que</st2:verbetes> pode <st1:hm w:st="on">tornar</st1:hm> <st2:verbetes w:st="on">inviável</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">um</st2:verbetes>
relacionamento. Samara (é o nome dela) não está <st2:verbetes w:st="on">disposta</st2:verbetes>
a se <st1:hm w:st="on">apaixonar</st1:hm> <st2:verbetes w:st="on">por</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">quem</st2:verbetes> desconhece a <st2:verbetes w:st="on">língua</st2:verbetes>
a <st1:dm w:st="on">ponto</st1:dm> de <st1:hm w:st="on">cometer</st1:hm> <st2:verbetes w:st="on">erros</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">grosseiros</st2:verbetes>
de <st2:verbetes w:st="on">ortografia</st2:verbetes>. <st2:verbetes w:st="on">Quer</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">alguém</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">que</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">saiba</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">um</st2:verbetes>
<st1:dm w:st="on">mínimo</st1:dm> de <st1:dm w:st="on">gramática</st1:dm>. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 14.0pt;">Dirão os românticos <st2:verbetes w:st="on">que</st2:verbetes>
Samara afirma <st2:verbetes w:st="on">isso</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">porque</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">nunca</st2:verbetes> amou de <st1:dm w:st="on">verdade</st1:dm>.
Pode <st1:hm w:st="on">ser</st1:hm>. <st2:verbetes w:st="on">Mas</st2:verbetes>
o <st2:verbetes w:st="on">fato</st2:verbetes> de <st2:verbetes w:st="on">ela</st2:verbetes>
<st1:hm w:st="on">condicionar</st1:hm> a <st2:verbetes w:st="on">paixão</st2:verbetes>
a <st2:verbetes w:st="on">tais</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">habilidades</st2:verbetes>
revela <st2:verbetes w:st="on">um</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">espírito</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">sério</st2:verbetes> e <st3:sinonimos w:st="on">cuidadoso</st3:sinonimos>.
<st2:verbetes w:st="on">Ela</st2:verbetes> no <st2:verbetes w:st="on">fundo</st2:verbetes>
sabe <st2:verbetes w:st="on">que</st2:verbetes> a <st2:verbetes w:st="on">ligação</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">amorosa</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">começa</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">com</st2:verbetes> o <st2:verbetes w:st="on">corpo</st2:verbetes>,
<st2:verbetes w:st="on">mas</st2:verbetes> se <st2:verbetes w:st="on">alimenta</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">mesmo</st2:verbetes> das ações e das palavras. E <st2:verbetes w:st="on">não</st2:verbetes> dá <st1:dm w:st="on">para</st1:dm> <st1:hm w:st="on">viver</st1:hm>
<st2:verbetes w:st="on">com</st2:verbetes> <st2:verbetes w:st="on">quem</st2:verbetes>
<st2:verbetes w:st="on">não</st2:verbetes> sabe se <st1:hdm w:st="on">expressar</st1:hdm>.<o:p></o:p></span></div>
</div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-78215229349055709732016-05-04T06:59:00.001-07:002016-06-24T07:38:59.432-07:00Que língua é essa?<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Hoje estou meio pra baixo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pra baixo? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Down. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Ah! Agora entendi. Por que não vai ao shopping? Lá, quem sabe, você dá um
upgrade no seu ânimo. Um stop nesse baixo-astral. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Sorry, mano, mas não dá. Indo ao
shopping, vejo aquelas novidades fashion que estão fora do meu alcance e fico
na pior. Por falta de money. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> --
Mas dá para aproveitar os produtos on sale, brother. Não se sinta tão out. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Tenho tentado ficar in, mas não
consigo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Eu sei qual é o seu problema. Inputs
errados. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Explain, please. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Você só assimila o que não presta. Tem uma mentalidade de bad boy. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Você quer dizer que o meu espírito é
hard? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Isso! Você precisa ficar mais soft,
botar um pouco de technicolor na tela da sua vida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> --
De fato, ela está meio dark. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Meio? Está "noir" toda. Procure uma
alternativa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Infelizmente não me vem nenhum
insight quanto a isso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Que tal uma girl? Nada como um love
story para tornar o mundo interessante. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Mas só enquanto a paixão dura...
Depois se volta ao real, ao “the dream is over”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Eu sei, é tudo uma questão de time.
Mas se a gente for pensar nisso, não faz nada. Você parece uma pessoa que quer
viajar e se recusa a fazer o check-in. Desse jeito não voa, fica sempre no
chão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Como fazer o check-in se me falta o
ticket? Eis o que sou, existencialmente falando: alguém que quer viajar sem ter
comprado a passagem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Depois dessa eu vou indo, senão sua
tristeza passa pra mim. Good bye. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> -- Good bye. Quando nos veremos de novo?<o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt; line-height: 115%;"> -- Quer mesmo saber? Se você continuar desse
jeito, talvez never.</span>Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-9977694784978618062016-05-04T06:57:00.003-07:002016-05-04T06:57:38.704-07:00Perfume de Florença<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Nosso
propósito era deixar Roma cedo e seguir o mais rápido possível para Florença.
Não pudemos fazer isso, pois uma família que fazia parte do grupo fora assaltada na porta do hotel. Quando já estávamos de saída, a mulher entrou
no ônibus, lívida e chorosa, dizendo que lhe haviam levado a bolsa com tudo que
havia dentro: dinheiro, passaporte, documentos (e até uma carteira de motorista
que o marido, ninguém sabia por quê, trouxera do Brasil; talvez por ter mais
medo dos nossos ladrões). Resolveu-se momentaneamente o problema decidindo que
o casal ficaria com o grupo e no dia seguinte voltaria a Roma com um dos
funcionários da agência de turismo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Por
que conto essa história? Porque ela foi determinante para o ânimo com que
deixamos a capital da Itália. Saímos aliviados por o roubo não ter sido
conosco, mas constrangidos por ele haver ocorrido com pessoas próximas e já um
pouco íntimas -- pessoas que no dia anterior riam, deslumbradas com o que viram
até então, e estavam ansiosas pelo que iam ver. E iríamos ver Florença!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Chegamos
lá ainda assustados com a lembrança do roubo, cada um segurando firme a bolsa e
escondendo a carteira. Mas não há preocupações que resistam à beleza daquela
cidade, considerada o berço do Renascimento, e pouco depois circulávamos por
ela atentos às praças, monumentos e igrejas. O guia nos deixou na Piazza della
Signoria e de lá rumamos para a Piazza del Duomo, onde fica o complexo
arquitetônico formado pela catedral, o campanário e o batistério. Dessas
construções simétricas e coloridas, que se recortam uma ao lado da outra contra
o céu florentino, pudemos ver apenas a catedral. Nela havia muita gente, mas conseguimos
percorrer com alguma tranqulidade seus amplos espaços de piso multicolorido, em
torno dos quais se erguiam estátuas e capelas. Ali a fé era puro deleite.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Depois
de um breve lanche (ninguém tem muita fome em viagem), preparei-me para ir à
Galeria della Academia. Motivo: era lá que estava o “Davi” de
Michelangelo. Minha mulher tinha outro
plano: visitar a igreja de Santa Maria Novella e, próximo, conhecer a
perfumaria que tem o mesmo nome. Nesse lugar, que na verdade se chama Officina
Profumo-Farmaceutica, foi criada a Acqua della Regina especialmente para
Catarina de Médici. “E daí? Quem quer saber de perfume nesta hora?” –
argumentei. Mas ela estava decidida. Tivemos um pequeno entrevero conjugal em
pleno coração de Florença, mas acabei cedendo -- mesmo porque a fila para ver o
Davi se estendia, sob um sol de ferver granito, por algumas dezenas de metros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 14.0pt;">Deu
um pouco de trabalho encontrar a perfumaria, que ficava numa rua ao lado da
igreja. Era um salão amplo em cujas paredes se viam fotos da historia da loja.
E nas prateleiras, acondicionados em embalagens delicadas, enfileiravam-se
sabonetes e perfumes de um odor finíssimo. Tudo exalava nobreza; parecia que
ali a função do tempo era refinar os odores -- como ele faz com os vinhos.</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Foi sob essa doce impressão que, à tardinha, voltamos
para o ônibus. Não vi o “Davi”, mas terei sempre na memória olfativa aqueles
aromas. Impregnada por eles, era impossível a qualquer mulher não se sentir
mesmo uma rainha.</span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-73840959520488168472016-05-04T06:55:00.000-07:002018-08-26T04:38:01.656-07:00Revisitando "Alice"<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Cansada
de aumentar e diminuir de tamanho, Alice resolveu procurar a Rainha. Marchava firmemente em direção ao palácio
(dessa firmeza que a gente tem nos primeiros momentos em que toma uma decisão),
quando viu embaixo de uma árvore um Bicho esquisito. O Bicho acenou, rindo, e
como é difícil resistir a quem nos acena rindo, ela se aproximou. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Quem é você? Nunca tinha lhe visto antes.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Sempre estive aqui -- respondeu o estranho animal, que usava uma roupa amarela,
meio frouxa no corpo, e um chapéu azul caindo de lado. -- O fato de você não
ter me visto não quer dizer que eu não existia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Que coisa mais tola! Para você existir -- pelo menos para mim --, eu precisava
lhe ver. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Está bem. Não vale a pena discutir com crianças. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Você acha que, por ter a minha idade, eu não entendo as coisas?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não é questão de entender ou não entender. Não se trata de lógica, mas de bom-senso. E depois... ser criança não depende de idade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Disse isto com
um ar superior, que ofendeu Alice, pois nada ofende mais uma criança do que ser
tratada como tal. Percebendo o ar aborrecido da menina, o Bicho mudou de assunto:
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pra onde você vai assim tão rápido?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Vou procurar a Rainha. Quero que ela me ajude a não ficar mudando de tamanho.
Não aguento mais aumentar ou encolher sem razão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
E por que logo a Rainha? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
As rainhas (e os reis, é claro) são poderosas, além de sábias. Só ela pode me
ajudar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Pois saiba que você vai procurar quem menos devia. A Rainha pode até lhe dar um
tamanho único, mas será na medida que ela escolher. Além disso, vai cobrar caro
pelo favor. E sabe, menina? Nada mais monótono do que medir sempre a mesma
coisa -- ainda mais por decisão real! Haverá momentos em que você vai querer
crescer ou diminuir de novo, e terá que pedir a aprovação da Rainha para isso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Alice
sentou-se no chão e ficou calada. Parecia pensar seriamente no que tinha
ouvido... (parecia, só, pois não tinha paciência para pensar muito. Achava que,
enquanto pensava, as coisas em volta iam acontecendo sem ela). Depois de quase
um minuto, perguntou: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Então... não há solução para mim? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
A solução é esquecer a Rainha e esperar.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Esperar?! Quanto tempo? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
O tempo necessário. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
E qual o tempo necessário?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Isso você vai só descobrir quando deixar de aumentar e diminuir de tamanho. Não
há outra forma de saber. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Entendi (não tinha entendido, mas sabia que nada agrada mais alguém com quem se
conversa do que fingir que se entende tudo). Mas, enquanto isso... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Esqueça “enquanto isso”. Ficar ligado no “enquanto isso” torna insuportável
qualquer espera. Espere esquecida de que está esperando, assim você sentirá
menos o tempo passar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Alice
achou isso de muito “bom-senso” e resolveu adiar por uns dias a visita à
Rainha. Ao sair, disse ao Bicho: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">--
Não sei com que palavras lhe agradecer.</span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">-- Não procure demais. As melhores são mesmo
“muito obrigada”.</span></div>
</div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8390272345716488052.post-5938389818503927862016-05-04T06:51:00.004-07:002016-06-08T14:48:57.813-07:00Beber só <div class="MsoNormalCxSpFirst" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> A expressão “beber
socialmente” tem alguma coisa de politicamente correto. Designa uma forma
civilizada de beber (embora haja algum paradoxo nisso, pois bebemos para fugir
à força coercitiva da civilização). Quando alguém diz que bebe socialmente,
está querendo dizer que se controla, se policia, enfim, não se deixa dominar
pelo “vício”. <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Mas
há outro sentido nessa dimensão social da bebida. Beber socialmente é também (e
lá vai o óbvio) não beber só. É aproveitar o ensejo para conversar, rir com os
outros, trocar impressões (e talvez imprecações) sobre a vida e o mundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Beber
socialmente não exclui a possibilidade de alguém ser alcoólatra, assim como
beber só não significa que a pessoa seja viciada. Existem alcoólatras que
sempre procuram parceiros com quem beber (e quando não os encontram, se
frustram e bebem com mais intensidade
ainda). E existem “bebedores sociais” que procuram o grupo para disfarçar a perigosa
ligação que têm com a bebida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">Para
mim, uma das imagens mais dolorosas da solidão é a de alguém bebendo sozinho.
Beber só -- sem ter com quem brindar, a quem fazer confidências ou mesmo sobre
quem entornar o copo -- é pior do que comer ou dormir só. A bebida pede
expansão e pressupõe o outro. Ela está associada aos rituais báquicos, que
sempre envolviam muita gente (e às vezes, é verdade, terminavam em agressões e
assassinatos). Sozinho se lê, se pensa, se reza -- mas não se bebe. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O
onanismo etílico é sinal de que falta à pessoa alguém com quem carnavalizar a
vida. Embora ela possa fazer isso solitariamente (no Carnaval existem os blocos
do eu-sozinho), nada mais estimulante para subverter as regras do que a
presença de outras pessoas. O “indivíduo” é por natureza triste, ordeiro,
temente à lei. Quando está sóbrio, prefere a reflexão às atitudes que confirmam
o instinto. Em grupo ele fica ousado, dribla o superego, deixa emergir a
catadupa interior que os diques morais reprimem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;"> Tão ruim quanto beber só é beber
com alguém que não bebe. Mal comparando, é como fazer sexo com quem sofre de
frigidez. A sobriedade do outro soa como uma falta de respeito, uma recusa de
sintonia que acaba humilhando uma das partes (a parte que bebe, é claro).
Comumente, nessas ocasiões, a parte sóbria assume um ar indulgente à proporção
que o outro mergulha em seu delirante torpor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 14.0pt;">O
companheiro ideal para um bêbado é outro bêbado. Quando se juntam, um não faz
muita questão de entender o interlocutor porque também não está preocupado em
se fazer entender. Caso estivesse, teria permanecido lúcido. O importante é
que, na língua engrolada em que se expressam, sempre dizem o essencial.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormalCxSpMiddle" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Existem no entanto aqueles para quem beber
sozinho é mais produtivo. Os artistas, por exemplo, e entre esses os
escritores. Gente como Vinicius de Moraes, Carlinhos Oliveira ou Paulo Mendes
Campos não precisava de ninguém nessas ocasiões. Quando tinham diante de si uma
garrafa, estavam em silencioso diálogo com as musas – e com elas faziam
intermináveis brindes à eternidade.</span></div>
Chico Vianahttp://www.blogger.com/profile/10573993951525615465noreply@blogger.com2