Nas
aulas de Oficina Literária, o professor mandava fazer atividades livres de escrita.
Podia ser uma descrição, um comentário ou a lembrança de um fato que nos
marcou. Às vezes aparecia o bloqueio, não saía nada. Numa dessas ocasiões, ele
me disse: “Conte alguma coisa. O mundo é tão grande, tem tanta coisa acontecendo.
Não falta o que contar.”
Mas
até para isso é preciso sentir “pulsar a veia”, disse comigo, já me lembrando
do que tinha acontecido de manhã no meu prédio. Nada de extraordinário, mas
poderia ter resultado num acidente sério.
O
professor continuava discorrendo sobre as vantagens de contar. Não é preciso
pensar muito nem emitir opiniões sobre o momento político, econômico ou social.
Basta dizer uma fração mínima do que ocorre a nossa volta. Isso ajuda no
desbloqueio. Para contar, basta ficar na escuta. Ou melhor, basta saber
olhar.
Era
ele falando e eu me lembrando do episódio da manhã. Com o tempo fui deixando de
ouvir suas palavras e começando a botar no papel o que sucedera. Coisa mínima,
irrelevante, o estopim de uma bomba que felizmente não explodiu (ou pelo menos
não explodiu em nossas mãos). Mas se não explodiu, para que mencionar o
estopim?
O
professor parece que adivinhava meus pensamentos: “Não precisa ser algo lírico
ou que termine em tragédia. E, pelo amor de Deus, nada que seja epifânico!
Detesto essa palavra.” Estava certo isso? Um professor de Oficina Literária ter
preconceito ter contra a palavra “epifânico”? Com o tempo, vim a entender a
razão: ele já não aguentava o número de “epifanias” com que se deparava nos
textos dos alunos. Todos pareciam ter vivido uma experiência essencial, que era
preciso registrar.
Enfim,
o episódio da manhã terminou triunfando sobre as considerações do professor.
Pouco a pouco fui começando a contar o que houvera... Duas vezes por semana eu
levava minha filha para a fonoaudióloga, que atendia a uns cinco quarteirões do
meu prédio. Às vezes íamos e voltávamos a pé, noutras vezes pegávamos o metrô.
Naquele dia resolvemos caminhar, pois nem sempre era agradável entrar naquele
enorme buraco e esperar o trem. Mesmo a garotinha, que no início se
entusiasmara com a novidade, não achava mais tão interessante percorrer o túnel
escuro que se alternava com o claro das estações.
Chegamos
ao prédio e subimos a escada de três degraus que levava à enorme porta de vidro.
Foi aí que se deu a coisa. A menina se preparava para segurar a maçaneta quando
a porta pendeu para trás e se espatifou no chão. Espirrou vidro para todo lado,
e uns minúsculos cacos colaram na sua pele – felizmente sem ferir. O barulho do
vidro se quebrando chamou a atenção dos moradores e de quem passava na rua.
A
síndica desceu, apressada, e quis logo saber quem tinha derrubado a porta.
Ninguém havia feito isso, claro. Minha filha nem sequer tocara na maçaneta.
Enquanto a mulher cogitava sobre quem iria assumir a despesa, eu senti um frio
ao imaginar que a porta poderia ter pendido para o lado oposto. Se tivesse
ocorrido isto, ela se espatifaria sobre nós!
Nesse ponto o professor quis saber como andava a
narrativa. Respondi, o coração ainda apertado, que estava quase terminando. Ele
perguntou se eu gostaria de ler.
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