Além
de quase médico, fui também quase cantor. Para entender como isto se deu é preciso
remontar ao início da década de 1980, quando fiz o Mestrado no Rio de Janeiro.
Como tinha tempo livre, pois fora liberado pela UFPB somente para estudar,
resolvi fazer um curso de empostação vocal.
Decisão
tomada, consultei os classificados do “Jornal do Brasil”, onde me deparei com
um anúncio: “Sílvia Lamounier – rejuvenescimento vocal”. Era mais do que eu
desejava: não apenas empostar, arranjar direito as sílabas, controlar a emissão
da voz, mas também rejuvenescê-la. A professora morava numa transversal da Av.
Nossa Senhora de Copacabana. Tive que ir de ônibus até lá, pois a linha de
metrô que liga o Flamengo a Copacabana ainda estava em construção.
Recebeu-me
uma simpática senhora de cabelos escuros e olhos vivos. Tinha um ar de prima-dona,
o que me infundiu confiança. Quem sabe não teria cantado em alguma ópera e
hoje, aposentada, se dedicava a passar parte da sua experiência a pessoas como
eu? Comoveu-me a expectativa de partilhar daquele resto de glória, embeber-me
da luz que dela ainda se irradiava.
Devaneios
à parte, perguntei o preço da aula. Não era nada de fazer perder a voz, mesmo
porque naquela época vivia-se a Era Sarney e meu salário quase dobrava de um
mês para o outro. Antes que a inflação o comesse, dava para fazer pequenas
viagens e gastar com alguns extras.
Definimos
o horário, e passei a ter aulas duas vezes por semana. Dona Sílvia me instruía
nos vocalises e me ensinava a respirar. A respirar, sim, pois até para esse ato
simples, fisiológico, vital, precisamos de um aprendizado. Não respiramos bem e
levamos pouca energia ao corpo. Sem energia, não há como soltar a voz. A
professora mostrou que a minha estava presa, encaramujada em não sei que dobras
do aparelho fonador, e era preciso libertá-la. Os instrumentos para isso eram
técnica e respiração.
Aos
poucos a voz foi saindo, ou melhor, se esculpindo. Após algumas semanas me ouvi
cantando canções cujas letras eu não compreendia bem, pois eram em italiano.
Entendia melhor quando eram em francês. Vez por outra ainda cantarolo uma berceuse que eu executava em dueto com a
professora... Foi o que ficou daquela época, pois as aulas não duraram muito.
Fui percebendo que ao embalo da música eu começara a esquecer por que estava
ali: aprender a usar a voz para não a desgastar em sala de aula. Era um
professor, não um aprendiz de cantor lírico.
Isso
pedia realismo e objetividade. Fui de novo aos classificados e procurei uma
fonoaudióloga. Essa era objetiva e tratou logo de corrigir minha respiração; o
ar tinha que vir do abdômen e não do tórax... As aulas agora eram frias, sem
duetos nem repertório musical.
Não
sei se fiz bem deixando as lições de canto. Dona Sílvia dizia que eu levava
jeito. Poderia ser hoje um barítono, ou um tenor. Mas, enfim. Resolvi mesmo
desafinar em outras áreas (e não “árias”) da vida.
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