A mentira é também a nossa verdade. É
uma forma estratégica de nos
relacionarmos com o mundo. Que seria de nós sem esse espaço de manobra
que nos permite lidar com a pressão dos outros? Acossado por deveres sociais,
éticos, econômicos, não resta ao homem senão mentir.
O problema não está em mentir ou não
mentir. Está no intuito com que se mente. Não se deve, por exemplo, usar a
mentira para prejudicar ninguém. Ela é um meio de preservação pessoal, não uma
arma para agredir o semelhante. Serve à defesa, não ao ataque. Machado fala de
uma “mentira piedosa”, dita para poupar os outros. O tipo mais comum de
mentira, no entanto, é o que se inventa para poupar a si mesmo.
O amor e a política são os domínios em
que mais se mente. No primeiro imperam as promessas, as famosas “juras”, que
nem sempre correspondem ao que sente o coração. Na segunda prevalece a
demagogia, que do seu sentido etimológico de “condução do povo” passou ao de
conjunto de estratagemas para enganá-lo. O eleitorado sabe disso, mas não tem
outra saída senão fingir que acredita e votar em quem o engana. A isto se dá o nome de logro, digo, jogo
democrático.
A mentira é inevitável porque o homem
existe a partir da linguagem, que é por si “mentirosa”. A linguagem não passa
de um artifício com que representamos o mundo, e toda representação é um
disfarce, uma tentativa fracassada de transmitir o que se quer. O que dizemos,
mesmo quando somos sinceros, é sempre distinto do que pretendemos significar.
Alguém já falou, com razão, que a
verdade é indizível. Por outro lado, como isso foi dito por meio de palavras, é
também uma frase mentirosa. Deve então haver uma verdade dizível; o grande
problema (hermenêutico, filosófico, metafísico) é descobrir qual. Enquanto isso
não ocorre, vamos continuar mentindo.
Costuma-se perguntar quem mente mais –
se o homem, ou a mulher. Diz-se que é a mulher, com base no ardil que Eva usou
para iludir Adão e levá-lo a comer o fruto proibido – início de todos os nossos
males. Mas isso é uma injustiça com a mulher, que não tinha como adivinhar que
a serpente era o Tinhoso, ou seja, o Pai da Mentira. Ficava difícil escapar de
alguém que tinha esta simbólica denominação.
Acredito que o maior mentiroso seja o
homem, pois ele faz mais coisas erradas. A mentira é diretamente proporcional
ao que se tem a esconder. Visa a nos redimir, pelas palavras, de erros pelos
quais não queremos nos responsabilizar. As mulheres, por serem emocionais e
afetivas, são também mais sinceras. Deixam transparecer pelo olhar o que está
nas entrelinhas e fala através do coração.
A pior mentira é a que o indivíduo prega em si
mesmo. É o autoengano, que por covardia ou impotência nos alheia da nossa
verdade interior. A maioria das pessoas finge ser o que não é para parecer bem
diante dos outros. Se parecem bem,
sentem-se bem. Saber que os outros as imaginam felizes lhes traz felicidade –
uma felicidade superficial, que não resiste ao veredicto do espelho.
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