A
“Veja” da semana retrasada trouxe reportagem sobre a crueldade com os animais.
Não é aconselhável que ninguém a leia antes de dormir nem de almoçar, pois
certamente vai perder o sono ou o apetite. O texto é uma provação para as almas
sensíveis, cristãs ou não, e um apelo indireto ao vegetarianismo.
Depois do que soubemos ali, como
degustar sem remorso um tenro peito de novilho -- se para que ele adquira essa
consistência celestial tem que sofrer penas dignas do inferno? Ou próximas
disso, pois os novilhos “vivem confinados em cercados exatamente do seu
tamanho, com a cabeça presa. Isso para que não se exercitem e sua carne
permaneça macia”.
Ninguém discute que nosso cérebro
precisa de proteínas e que a fonte mais rica nesse tipo de nutriente é a carne
dos animais. Sem ela, conforme demonstram estudos na área da biologia e da
nutrição, não teríamos alcançado um nível intelectual capaz de nos tornar aptos
a fabricar aviões, produzir computadores ou criar obras artísticas que refletem
a complexidade do nosso espírito.
O
problema é quando para conseguir esse precioso alimento parecemos negar que
temos espírito, retrocedendo a um nível de barbárie que só metaforicamente se
pode chamar de animal -- pois os animais podem ser ferozes, mas nunca são
cruéis. Quando matam, o fazem por necessidade, sem a percepção de que estão
tirando uma vida.
Uma
das formas de aferir nossa humanidade é nos compararmos com os que estão abaixo
de nós na escala zoológica. Essa comparação reforça o “sentimento da
diferença”, matriz do pecado original -- uma diferença que é percebida como
força, domínio, poder. É tão forte esse sentimento, que na mitologia das
religiões aparece como transgressão. Na condição de transgressores, precisamos
nos redimir estendendo à natureza um olhar igualitário e piedoso.
Os
primeiros beneficiários desse olhar são justamente os animais, que têm vida
como nós mas permanecem no limbo da irracionalidade. A piedade para com eles é
um dos preceitos de uma consciência verdadeiramente humana; nem um filósofo
como Nietzsche, que escreveu “O Anticristo”, escapou a essa lei. Certo dia o
alemão presenciou um carreiro açoitar o cavalo que conduzia. Desesperado,
correu até a rua, abraçou-se ao pescoço do animal e mergulhou no negrume da
loucura.
Basta
de supliciar os bichos, que nada de ruim nos fazem nem têm como se defender. Se
é necessário que morram para sobrevivermos, que pelo menos isso ocorra sem
sadismo e sem dor. Comemos para nos sentir saudáveis e felizes, e alguns fazem
desse ato um deleite. Fica difícil deleitar-se quando se pensa no sacrifício
por que passa o animal cuja carne nosso organismo tem de absorver para
continuar vivo. Por alguma química misteriosa, esse tipo de alimento envenena a
nossa alma.
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