terça-feira, 3 de maio de 2016

Bicho cruel

A “Veja” da semana retrasada trouxe reportagem sobre a crueldade com os animais. Não é aconselhável que ninguém a leia antes de dormir nem de almoçar, pois certamente vai perder o sono ou o apetite. O texto é uma provação para as almas sensíveis, cristãs ou não, e um apelo indireto ao vegetarianismo.
           Depois do que soubemos ali, como degustar sem remorso um tenro peito de novilho -- se para que ele adquira essa consistência celestial tem que sofrer penas dignas do inferno? Ou próximas disso, pois os novilhos “vivem confinados em cercados exatamente do seu tamanho, com a cabeça presa. Isso para que não se exercitem e sua carne permaneça macia”.
         Ninguém discute que nosso cérebro precisa de proteínas e que a fonte mais rica nesse tipo de nutriente é a carne dos animais. Sem ela, conforme demonstram estudos na área da biologia e da nutrição, não teríamos alcançado um nível intelectual capaz de nos tornar aptos a fabricar aviões, produzir computadores ou criar obras artísticas que refletem a complexidade do nosso espírito. 
O problema é quando para conseguir esse precioso alimento parecemos negar que temos espírito, retrocedendo a um nível de barbárie que só metaforicamente se pode chamar de animal -- pois os animais podem ser ferozes, mas nunca são cruéis. Quando matam, o fazem por necessidade, sem a percepção de que estão tirando uma vida.
Uma das formas de aferir nossa humanidade é nos compararmos com os que estão abaixo de nós na escala zoológica. Essa comparação reforça o “sentimento da diferença”, matriz do pecado original -- uma diferença que é percebida como força, domínio, poder. É tão forte esse sentimento, que na mitologia das religiões aparece como transgressão. Na condição de transgressores, precisamos nos redimir estendendo à natureza um olhar igualitário e piedoso.
Os primeiros beneficiários desse olhar são justamente os animais, que têm vida como nós mas permanecem no limbo da irracionalidade. A piedade para com eles é um dos preceitos de uma consciência verdadeiramente humana; nem um filósofo como Nietzsche, que escreveu “O Anticristo”, escapou a essa lei. Certo dia o alemão presenciou um carreiro açoitar o cavalo que conduzia. Desesperado, correu até a rua, abraçou-se ao pescoço do animal e mergulhou no negrume da loucura. 
Basta de supliciar os bichos, que nada de ruim nos fazem nem têm como se defender. Se é necessário que morram para sobrevivermos, que pelo menos isso ocorra sem sadismo e sem dor. Comemos para nos sentir saudáveis e felizes, e alguns fazem desse ato um deleite. Fica difícil deleitar-se quando se pensa no sacrifício por que passa o animal cuja carne nosso organismo tem de absorver para continuar vivo. Por alguma química misteriosa, esse tipo de alimento envenena a nossa alma.

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