quarta-feira, 4 de maio de 2016

Bolsa Feiura

Li há alguns dias que estão pensando em criar o Bolsa Feiura. Segundo o idealizador do projeto, vivemos numa sociedade que valoriza muito a beleza, e os que não a têm competem em desigualdade de condições com os bonitos. Uma forma de reparar essa injustiça seria destinar aos feios determinada quantia para que eles pudessem de alguma forma reduzir os efeitos da sua condição. Com o dinheiro comprariam produtos de beleza, frequentariam clínicas estéticas ou mesmo, se fosse o caso, fariam plástica.
Certamente isso vai gerar muitas críticas. Dirão que não tem sentido propor tal ajuda quando há no país milhares de indivíduos sem teto ou com fome. Esse argumento, contudo, é fácil de refutar. A feiura não é um problema social (a não ser, talvez, na China), mas entristece ou deprime muitas pessoas, o que indiretamente afeta o setor produtivo do País. Quem, sentindo-se por dentro “um lixo”, tem ânimo para fazer a contento o seu trabalho?
         Essa história de “estar bem consigo” tem fundamento. Se o espelho não nos aprova, tendemos a ignorar os outros e pouco nos importamos com o mundo. Em alguma medida, Freud tem razão: o universo é projeção do ego. Tendemos a moldá-lo conforme nossa disposição interior.   
Inclinamo-nos para o belo porque, segundo Stendhal, a beleza é uma promessa de felicidade; isso quer dizer que a feiura promete o oposto. Vinicius segue a mesma pisada ao afirmar, pedindo perdão às muito feias, que beleza é fundamental.
Como veem, o Bolsa Feiura tem um sólido aval literário (a não ser por Quasímodo, que compensa a corcunda com a beleza interior -- mas quem liga para ela hoje?). O projeto, se aprovado, não mudará ninguém mas servirá de inestimável consolo. Vai reparar um pouco o descuido (ou mesmo a imperícia) com que a natureza molda certas fisionomias.
O problema de um projeto como esse em nosso país é que poucos resistem a dinheiro que vem do Estado. Seguindo a prática do jeitinho, a maioria vai bolar artifícios para parecer mais feia do que é e ter direito à cota. Talvez isso produza um decréscimo na nossa vaidade, levando à crise o setor de produtos estéticos. Haveria protestos, demissões -- e aí, sim, a coisa ficaria feia.

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