domingo, 1 de maio de 2016

Pacto de morte

Antigamente os apaixonados faziam pactos de morte. Conscientes de que o tempo é o maior inimigo da paixão, procuravam escapar a ele por uma via radical: tirando a própria vida. Às vezes isso dava problema, pois nem sempre um dos dois (ou ambos) queria mesmo morrer...
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O local é um terreno ermo, iluminado brandamente pelo luar. Eles vão serenos, de mãos dadas, aproveitando os últimos momentos juntos.       
-- Cometeremos um duplo suicídio. Com isso evitaremos comentários maldosos, como o de que houve crime passional. 
-- Está bem... Você escolheu faca ou escopeta?
-- Escopeta. Faca pode não matar de uma vez. E é sempre mais doloroso.
-- Concordo. Também escolhi escopeta.     
Estão decididos. Morrerão juntos, cada um perfurando o próprio coração (tinha que ser esse órgão cheio de simbolismo!). Preparam-se, aproximam a arma do peito.    
-- Espere -- ele diz.
-- O que foi!? 
-- Não consigo atirar em mim. Prefiro que seja você a fazer o disparo.
-- Eu, lhe matar? Nunca! Não tenho coragem.
-- Então eu lhe mato.
-- Você faria isso?!
-- Em condições normais, claro que não. Mas agora alguém tem que tomar a iniciativa.  
Ficam um tempo nesse dilema.
-- Tenho uma ideia melhor – ele volta a falar, com a expressão vitoriosa de quem encontrou um meio de saírem do impasse. – Um atira no outro. Deixaremos este mundo cruel ao mesmo tempo. Fiéis na vida e na morte.   
-- É justo, mas... tem que ser ao mesmo tempo. Se alguém atirar primeiro, pode morrer apenas um dos dois. E o que restasse seria um sobrevivente a chorar pelo resto da vida a perda do que se foi.  
-- Sobreviverá quem tiver melhor pontaria – ele comenta meio sem querer. 
-- É verdade – ela concorda, pensativa. -- Por sinal, você é campeão de tiro ao alvo...
-- Fui. E faz tempo que não treino.
-- Mas a possibilidade de você acertar em mim é bem maior. E como não tem coragem de se suicidar, seria você o sobrevivente.
-- Eu?! Vendo você morta, eu encontraria forças para tirar minha vida.  
-- E se não encontrasse? Me enterraria, choraria por algum tempo e depois... 
-- Depois o quê?!
-- Depois me esqueceria. No começo ia ser difícil, concordo, mas não há nada que o tempo não apague. 
O tempo! Sempre ele! Iam morrer para escapar do tempo, que agora aparecia como razão para um dos dois querer viver.
-- Desistiu do pacto? -- ele pergunta, com uma ponta de ansiedade.
          -- Penso nisso depois. Antes, por via das dúvidas, vou tomar umas aulas de tiro ao alvo.

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