Antigamente
os apaixonados faziam pactos de morte. Conscientes de que o tempo é o maior
inimigo da paixão, procuravam escapar a ele por uma via radical: tirando a
própria vida. Às vezes isso dava problema, pois nem sempre um dos dois (ou
ambos) queria mesmo morrer...
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O
local é um terreno ermo, iluminado brandamente pelo luar. Eles vão serenos, de
mãos dadas, aproveitando os últimos momentos juntos.
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Cometeremos um duplo suicídio. Com isso evitaremos comentários maldosos, como o
de que houve crime passional.
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Está bem... Você escolheu faca ou escopeta?
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Escopeta. Faca pode não matar de uma vez. E é sempre mais doloroso.
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Concordo. Também escolhi escopeta.
Estão
decididos. Morrerão juntos, cada um perfurando o próprio coração (tinha que ser
esse órgão cheio de simbolismo!). Preparam-se, aproximam a arma do peito.
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Espere -- ele diz.
-- O que foi!?
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Não consigo atirar em mim. Prefiro que seja você a fazer o disparo.
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Eu, lhe matar? Nunca! Não tenho coragem.
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Então eu lhe mato.
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Você faria isso?!
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Em condições normais, claro que não. Mas agora alguém tem que tomar a
iniciativa.
Ficam
um tempo nesse dilema.
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Tenho uma ideia melhor – ele volta a falar, com a expressão vitoriosa de quem
encontrou um meio de saírem do impasse. – Um atira no outro. Deixaremos este
mundo cruel ao mesmo tempo. Fiéis na vida e na morte.
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É justo, mas... tem que ser ao mesmo tempo. Se alguém atirar primeiro, pode
morrer apenas um dos dois. E o que restasse seria um sobrevivente a chorar pelo
resto da vida a perda do que se foi.
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Sobreviverá quem tiver melhor pontaria – ele comenta meio sem querer.
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É verdade – ela concorda, pensativa. -- Por sinal, você é campeão de tiro ao alvo...
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Fui. E faz tempo que não treino.
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Mas a possibilidade de você acertar em mim é bem maior. E como não tem coragem
de se suicidar, seria você o sobrevivente.
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Eu?! Vendo você morta, eu encontraria forças para tirar minha vida.
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E se não encontrasse? Me enterraria, choraria por algum tempo e depois...
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Depois o quê?!
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Depois me esqueceria. No começo ia ser difícil, concordo, mas não há nada que o
tempo não apague.
O
tempo! Sempre ele! Iam morrer para escapar do tempo, que agora aparecia como
razão para um dos dois querer viver.
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Desistiu do pacto? -- ele pergunta, com uma ponta de ansiedade.
-- Penso nisso depois. Antes, por via das
dúvidas, vou tomar umas aulas de tiro ao alvo.
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