quarta-feira, 4 de maio de 2016

Descasados

Vez por outra o grupo se reunia para fazer um balanço da vida. Curiosamente, todos estavam sós. O assunto daquela noite foi a razão pela qual os casamentos falharam (Euclides, o intelectual da turma, chegou a criar uma frase de que todos gostaram muito: “O  casamento é um estágio desnecessário rumo à solidão”).
Quem primeiro falou foi Zuleide:
-- Me casei com um engenheiro. Deu errado porque ele queria mudar meus alicerces. Resisti, esbravejei, e da nossa relação não ficou pedra sobre pedra. 
-- Pois eu -- explicou Valfredo -- fui casado com uma jornalista. Ela era apressada e neurótica. Em nossos momentos íntimos, que eram raros, só pensava se a cobertura ia resultar num grande furo. Além disso, tinha medo de perder o emprego por causa de uma “barriga”. Terminei indo embora.
-- Meu caso foi pior -- falou Osmar. -- Casei-me com uma promotora. Vivia, claro, me acusando. Era uma relação cheia de altos e baixos. Tudo que eu fazia era usado contra mim. Afastei-me, não havia outro recurso.  
Foi a vez de Clotilde justificar o seu fracasso: 
         -- Nestor era guarda de trânsito. No início tudo correu bem. Com o tempo, ele começou a reclamar de que eu não lhe dava mais bola. Dizia que eu avançara o sinal, tinha outro, e devia ser penalizada por essa infração. Fui perdendo o respeito em casa, onde só ele apitava. Pedi o divórcio.
-- E você, Nemésio? -- quis saber alguém.
-- Ah, eu me casei com uma costureira. Nos primeiros meses, éramos casa e botão. Com o tempo ela foi perdendo a linha, e numa briga me furou com um alfinete. Antes que me agredisse com uma tesoura, resolvi me escafeder.
Elogiaram a prudência de Nemésio. Uma tesoura provocaria danos bem mais graves do que um alfinete... Foi Suênio quem interrompeu os comentários do grupo:
-- Minha mulher era psicóloga. Quando colocou um divã no quarto, pensei que era para nosso conforto -- mas ela queria me analisar.  Descobriu que eu tinha uma série de complexos. Isso afetou de tal modo a minha autoestima, que quando ela estalava os dedos corríamos eu e Totó. Eu já não sabia quem era, ou se era alguém. Saí da relação com uma bruta crise de identidade. Au!
Mércia foi a próxima a falar: 
-- Meu marido era marinheiro. Passava três, quatro meses no mar, e quando voltava não queria içar a vela. Perguntei se ele tinha “outra”. Ele respondeu que era quase isso; eu errara pelo gênero. Nunca pensei que essa fosse a praia dele! Também não fiz tempestade, e dissemos adeus numa boa.
Faltava Doroteia, que não se fez de rogada:
-- Pois eu, pessoal, fui casada com um político. No início me encantei com o discurso cheio de promessas, mas logo descobri que era tudo demagogia. Mesmo em casa, ele só queria palanque. A gota d’água foi quando eu soube que umas tais reuniões para discutir  estratégias de campanha eram um eufemismo para os encontros com Elisete -- uma de suas assessoras. Essa não tinha nada de “fantasma”, era mesmo de carne e osso. Sei disso porque quebrei alguns.

Um comentário:

  1. Felizmente que vivemos uma época em que a liberdade tomou corpo e se fez uma realidade. No século passado, quem ousaria falar da sua vida íntima? Quantos dramas ficaram encobertos debaixo de quatro paredes lavadas com lágrimas e enfeitadas com frustrações? A vida é tão curta que merece ser aproveitada e transformada num ramo de flores perfumadas. O maior problema é a dificuldade, para quem sofre desenganos amorosos, encontrar o companheiro certo e saber transformar o desagradável em momentos de comunhão e prazer.Haverá entre os humanos falta de comunicação? Talvez!

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