Antes de viajar, ela chamou o marido e
recomendou:
-- Não se esqueça de aguar a minhas
orquídeas. Basta uma vez por semana. Uma, não mais. Se você esquecer, elas
morrem.
Ele ouviu com ar compenetrado e prometeu
que aguaria as orquídeas. Uma vez por semana. Feita a promessa, ajudou-a a
botar as malas no carro e a levou para o aeroporto. Na despedida, beijaram-se.
Ele lhe desejou boa sorte no estágio e fez a carinhosa recomendação:
-- Cuide-se!
-- Você também!!
Para ele, foi um teste cuidar da casa.
Não tinha jeito nem paciência. Precisava levar o cachorro para fazer as
necessidades, lavar a roupa que se acumulava, ir ao supermercado e à feira pois
só comia fora no almoço. Não tinham filhos, o que simplificava muito as coisas,
mas ainda assim as tarefas lhe pesavam.
Além do mais, havia os contratempos da rotina.
O cão, por exemplo, às vezes fazia pipi antes da hora. Lá ia ele buscar estopa
e água sanitária para limpar a poça na sala ou em um dos quartos. Noutra
ocasião, a válvula da descarga quebrou. Teve que procurar um encanador bem
cedo, quando deveria estar no trabalho. Nesse dia chegou atrasado e não pôde
assinar o ponto.
O tempo foi passando. Os dois
conversavam raramente pelo celular, pois ela tinha uma série de obrigações
ligadas ao estágio. Falavam da nova experiência de cada um – ela se aventurando
no exterior, ele como dono de casa. Era uma espécie de inversão que os fazia
rir. Até então ocorrera o oposto, mas
agora o mundo era outro. Falavam disso e da saudade, que começava a apertar.
Para se assegurar de que tudo transcorria normalmente, ela lhe fazia perguntas:
-- Tem cuidado de Sultão? Agendou todos os pagamentos? Está passado o pano nos
quartos? -- Ele respondia “sim” a todas.
Pouco antes de ela chegar, ele fez uma vigorosa faxina na casa. Bateu
tapetes, lavou e desinfetou os banheiros, limpou o filtro do ar-condicionado.
De noite estava exausto e com tosse, pois tinha alergia a poeira. No dia
seguinte foi ao supermercado levando uma lista com o nome das comidas de que
ela mais gostava. Trouxe iogurte, compota de pêssego, pão de milho.
Chegado o grande dia, postou-se bem cedo na sala de espera do aeroporto.
Felizmente o avião não atrasou. Na volta para casa, ela quis saber se tudo
correra bem; ele respondeu que tinha trabalhado muito, mas valera a pena.
Achava-se, agora, um marido completo.
Mal entrou em casa, ela se encaminhou
para a varanda. Foi quando viu uma pequena orquídea no chão. Aproximou-se do
vaso e percebeu que estava seco. As outras flores se desprendiam do caule e
estavam prestes a tombar. Olhou transtornada para o marido, que entrava
chamando-a para ver as gostosuras que havia na mesa... Ele então se deu conta
do que havia esquecido.
Nessa noite os dois brigaram. Ele tentou
se defender mostrando como cuidara de tudo com esmero, tanto que a casa estava
cheirosa e não tinha um grão de pó. Fora tanto o esforço, que ele chegou a
ficar doente.
-- Você não fez o principal! – interrompeu-o a
mulher. E foi dormir cheia de mágoa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário