Duas
histórias de Carnaval. A primeira é a do casal que resolveu “se liberar”
durante a festa. A mulher disse ao
marido: vá embora e só volte daqui a quatro dias. Prontamente ele deixou a casa
e alugou um flat. Estava solto e só! Como era um tipo respeitável na cidade,
resolveu comprar uma fantasia que lhe cobrisse o rosto. Não queria que ninguém
testemunhasse seus excessos.
Ocorre
que a mulher (Clotilde era o nome dela) também gozava da momentânea alforria.
Não ia ficar em casa enquanto o marido pulava com uma odalisca qualquer. Teve
também a ideia de comprar uma fantasia e seguir algum desses blocos líricos na
aparência e fesceninos na essência, embora seus propósitos fossem virtuosos se
comparados com os do marido.
Leandro
(o nome dele) estava mesmo a fim de uma esbórnia. Ela queria apenas imaginar
que, se lhe desse na telha, poderia viver uma aventura. Só “na telha”, que é um
tapume para o mau tempo e as más intenções; não permitira que a ideia
adentrasse algum cômodo do seu recatado espírito. Vestiu-se de “Rainha
Etrusca”, uma caracterização que imitava a heroína de um filme a que assistira
quando era solteira e ainda sonhava.
Para encurtar a história: na noite do
sábado Leandro viu no meio da multidão aquela mascarada sensual. Ela tinha um
jeito familiar, o que freudianamente lhe despertou o desejo. Acercou-se e começou a paquerá-la. Clotilde
deixou que o belo romano se aproximasse e fizesse voltas em torno dela, como um
leão das antigas arenas cercando a presa. Fatalmente viria o bote. Leandro
pegou-lhe na mão e sussurrou em seu ouvido:
--
Inferno ou paraíso, só vou saber depois que enlaçar o teu corpo.
A mulher levou
um susto. Já ouvira aquilo, e pela mesma voz. Sacou do rosto a máscara e:
--
Charlatão! Nem sequer foi capaz de mudar as palavras... A mesma cantada que
jogou para mim anos atrás!
Desmascarado, só restou a Leandro seguir a mulher, que resolveu por entre tapas e beliscões antecipar-lhe a Quarta-Feira de Cinzas.
Desmascarado, só restou a Leandro seguir a mulher, que resolveu por entre tapas e beliscões antecipar-lhe a Quarta-Feira de Cinzas.
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A
segunda história parece um daqueles relatos de João do Rio que têm como cenário
o clima mórbido da belle époque. Por exemplo: um homem vê uma mulher sozinha
numa das esquinas sombrias da cidade. Ela acena para ele com um sorriso
enigmático, e terminam indo a um local ermo, onde fazem amor. No fim ele
descobre que a mulher era o fantasma de alguém que tinha morrido havia
décadas... Brrrr!
Felisberto
não passou por essa experiência apavorante, mas chegou perto. Era noite da
terça-feira, o último dia para viver o que ainda não fora vivido. Depois disso,
aguardava-o mais um ano de repartição, supermercado, macarronada dominical na
casa da sogra.
A cidade tinha uma louca, Ismênia, que costumava
passear altas horas da noite pelas calçadas com seus cabelos desgrenhados e sua
boca sem dentes. O leitor já imagina! Felisberto vê perto de um terreno baldio
uma mulher solitária. Aproxima-se, lento e arfante, abraça-a por trás. Quando
vai deitá-la, a mulher vira o rosto -- e sua gargalhada cortante molha em jatos
o rosto dele. O homem corre para casa, lamentando o castigo. Tal como em João
do Rio, só podia ter sido castigo. Por sinal muito severo, já que a esbórnia só
ficara no desejo.
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