quarta-feira, 4 de maio de 2016

Fidelidade canina

O casamento deles andava morno. Os dois fingiam não reconhecer isso, mas chegou chegara o momento em que não dava mais para disfarçar. Foi então que uma noite, depois de jantarem, Clodoaldo falou meio sem jeito para Tâmara:
-- Acho que devemos dar um tempo.
-- Concordo -- disse ela prontamente.
         -- Amanhã vou dar entrada nos papéis. 
-- Ótimo. -- E completou, depois de um breve intervalo: -- Não faço questão de muita coisa. Vendemos o apartamento, e você me dá a metade. Fico também com um dos carros, e com Totó.
-- Ah, isso não! Totó é meu.
-- Seu? Por quê? Fui eu que sempre dei comida, limpei o xixi, cuidei dele quando ficou doente.    
-- Mas eu fui quem lhe deu o nome.
-- Um nome, por sinal, originalíssimo! -- ironizou Tâmara.
-- E você queria “Brad Pitt”! “Brad Pitt Bull”! Ridículo... Não entende nada de cães.
-- E você não entende nada de mulheres.
Totó, que cochilava perto dos dois, parecia perceber que era o assunto da conversa. Baixou uma orelha e eriçou a outra, como se quisesse escutar melhor. 
-- Ou levo Totó comigo, ou não me separo! -- sentenciou a mulher. 
-- O mesmo digo eu. Sem Totó, não há separação!
        Ficaram uns dias nisso, chateando-se mutuamente e agora em rixa declarada por causa do cachorro. Então Clodoaldo teve a ideia:
-- Vamos deixar que ele decida.
-- Ele?! .Como?
         -- Botamos nossas malas na sala e fingimos que vamos sair de casa. Cada um chama Totó. Vamos ver para quem ele se dirige. O vencedor o ganha para sempre.
Tâmara aprovou. Tinha com o cachorro uma convivência mais íntima do que o marido, que se limitava a levá-lo para passear e fazer as necessidades fora do apartamento. Clodoaldo via nesse encargo seu trunfo; confiava na atração que os machos têm pela liberdade.
Fizeram como planejado. O cão se habituara a vê-los preparar as malas para viajar. Sabia o que ia ocorrer quando as bagagens ficavam na sala por um, dois dias. Dessa vez estranhou, pois cada um dos donos se postou junto a uma mala e começou a chamar por ele.  “Aqui, Totó!” “Não, Totó. Aqui!”
        Valia tudo -- estalar os dedos, amaciar a voz, dar pancadinhas no chão. Atarantado, o animal não sabia o que fazer. Olhava alternadamente para um e para o outro, ameaçava ir numa direção mas logo recuava.
         Repetiram mais de uma vez a experiência, e nada. Como o cachorro não se decidia, o casamento ia se mantendo. A cada nova encenação Totó se mostrava mais firme e equidistante.  Parecia ter consciência de que a sua fidelidade aos dois era o que ainda os mantinha juntos.

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