O
casamento deles andava morno. Os dois fingiam não reconhecer isso, mas chegou chegara o momento em que não dava mais para disfarçar. Foi então que uma noite, depois
de jantarem, Clodoaldo falou meio sem jeito para Tâmara:
--
Acho que devemos dar um tempo.
--
Concordo -- disse ela prontamente.
--
Amanhã vou dar entrada nos papéis.
--
Ótimo. -- E completou, depois de um breve intervalo: -- Não faço questão de
muita coisa. Vendemos o apartamento, e você me dá a metade. Fico também com um
dos carros, e com Totó.
--
Ah, isso não! Totó é meu.
--
Seu? Por quê? Fui eu que sempre dei comida, limpei o xixi, cuidei dele quando
ficou doente.
--
Mas eu fui quem lhe deu o nome.
--
Um nome, por sinal, originalíssimo! -- ironizou Tâmara.
--
E você queria “Brad Pitt”! “Brad Pitt Bull”! Ridículo... Não entende nada de
cães.
--
E você não entende nada de mulheres.
Totó,
que cochilava perto dos dois, parecia perceber que era o assunto da
conversa. Baixou uma orelha e eriçou a outra, como se quisesse escutar
melhor.
--
Ou levo Totó comigo, ou não me separo! -- sentenciou a mulher.
--
O mesmo digo eu. Sem Totó, não há separação!
Ficaram uns dias nisso, chateando-se
mutuamente e agora em rixa declarada por causa do cachorro. Então Clodoaldo
teve a ideia:
--
Vamos deixar que ele decida.
--
Ele?! .Como?
--
Botamos nossas malas na sala e fingimos que vamos sair de casa. Cada um chama
Totó. Vamos ver para quem ele se dirige. O vencedor o ganha para sempre.
Tâmara
aprovou. Tinha com o cachorro uma convivência mais íntima do que o marido, que
se limitava a levá-lo para passear e fazer as necessidades fora do apartamento.
Clodoaldo via nesse encargo seu trunfo; confiava na atração que os machos têm
pela liberdade.
Fizeram
como planejado. O cão se habituara a vê-los preparar as malas para viajar.
Sabia o que ia ocorrer quando as bagagens ficavam na sala por um, dois dias.
Dessa vez estranhou, pois cada um dos donos se postou junto a uma mala e
começou a chamar por ele. “Aqui, Totó!”
“Não, Totó. Aqui!”
Valia
tudo -- estalar os dedos, amaciar a voz, dar pancadinhas no chão. Atarantado, o
animal não sabia o que fazer. Olhava alternadamente para um e para o outro,
ameaçava ir numa direção mas logo recuava.
Repetiram mais de uma vez a experiência, e nada.
Como o cachorro não se decidia, o casamento ia se mantendo. A cada nova
encenação Totó se mostrava mais firme e equidistante. Parecia ter consciência de que a sua
fidelidade aos dois era o que ainda os mantinha juntos.
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