O
politicamente correto chegou às cantigas infantis. A partir de agora devemos
ter muito cuidado com o que cantamos para as crianças. Uma simples canção de
ninar pode embutir um significado nocivo, capaz não só de amedrontá-las como
também de marcar-lhes negativamente a personalidade.
Fui
criado ouvindo “Atirei o pau no gato” sem perceber o quanto esses versos
incitam à violência contra os animais. O título já é bem sugestivo, mas os
detalhes são de arrepiar. Diz-se em certa passagem que uma tal de Dona Chica
admirou-se “do berrô, do berrô que o gato deu”. Em vez de se compadecer do
felino, a mulher fica pasma e passiva ouvindo-lhe os gritos e talvez se
deliciando com a manifestação de dor. Como se isso não bastasse, a letra tem
uma mensagem antiecológica. De onde teria vindo o pau atirado no gato, se não
de uma árvore destruída por algum madeireiro ganancioso?
“O
cravo brigou com a rosa” tem uma sugestão bélica que não fica bem a duas
flores. Delas se espera ternura, concórdia, enlace amoroso -- e não que fiquem
se despetalando de raiva uma da outra. E o famoso “Boi da cara preta”?
Geralmente se canta essa música para fazer as crianças dormir, mas como
levá-las ao sono ameaçando-as com um bicho escuro que, ainda por cima, as
aterroriza com caretas? Se dormirem, coitadas, vão ter horríveis pesadelos.
Ninguém
também se iluda com a aparente inocência de “Ciranda, cirandinha”, que não traz
nenhum exemplo de bom comportamento moral. Pelo contrário, realça a mentira e a
quebra de compromisso. Alguém dá a uma moça um anel de vidro dizendo que ele é
de material mais resistente. O resultado é que a joia se quebra -- mas eis o
pior: sua fragilidade simboliza o amor de quem deu o presente. Um falso.
Outra
cantiga que nada tem de edificante é a que acompanha a história da Dona Baratinha.
No início da letra alguém pergunta quem quer casar com ela. Espera-se,
obviamente, que a noiva possua predicados que a habilitem a ser uma boa esposa:
fidelidade, apego ao lar, disposição para ser mãe. Em vez disso ouvimos um
tanto desapontados que ela “tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha”. Ou seja, exalta-se apenas a vaidade da
pretendente e, pior, insinua-se ao eventual marido a possibilidade de um golpe
do baú. Não surpreende que o candidato seja um tal de... Dom Ratão. Felizmente
o esperto teve o destino que merecia, morrendo cozinhado numa panela.
“Samba
Lelê”, quem não conhece? Hoje não se deve mais cantá-la devido àquela
referência a “umas boas lambadas”. É impossível aceitar isso numa época em que
a Lei da Palmada se dispõe a livrar as crianças de castigos corporais. E quanto
a “Pai Francisco”? Vocês vão dizer que é do mais inofensivo humor. Que tem
demais afirmar que o homem “parece um boneco desengonçado”? Já vi que não
prestaram atenção ao verso que vem antes; nele se diz que o tal Francisco vem
“todo requebrado”. Hum... Homem se
requebrando? Isso lança uma suspeita sobre a sua identidade sexual, e não fica
bem às crianças deparar-se tão cedo com tais ambiguidades.
Se
queremos adultos equilibrados, precisamos cantar para nossos meninos outras
canções. O problema é saber quais. Enquanto não descobrimos, o mais prudente é
niná-los com o inofensivo “ããã, ããã, ããã”. Qualquer fonema ou palavra a mais
pode ser perigoso. Muito perigoso.
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