Marcílio
acordou cedo e ficou olhando a mulher dormir. Gostava de vê-la assim,
imperturbável, entregue ao sono. De repente ela sorriu. Devia estar sonhando
uma coisa boa. Talvez com ele, quem sabe? Junto com o sorriso, balbuciava uma
palavra. O marido se curvou para ouvir:
--
Leopoldo...
Leopoldo?!
Quem era Leopoldo? Levantou-se, intrigado, e foi fazer a barba. O episódio
ficou martelando sua cabeça, mas só falou sobre ele durante o jantar.
--
Marisa... quem é Leopoldo?
-- Hã?! Nunca vi mais gordo. Por quê?
-- Hoje
de manhã, enquanto sonhava, você pronunciou esse nome.
Explicou-lhe em detalhes o que tinha
acontecido. A mulher escutava entre surpresa e divertida.
-- Você
agora deu para fiscalizar meu sono? Pois saiba que nem me lembro de ter
sonhado. Só sei que tenho dormido muito
bem.
Marcílio
se chateou com o tom em que ela dissera isso, mas não tinha por que desconfiar.
“Leopoldo” devia ser um colega de infância que ela já havia esquecido e
emergira no sonho sem motivo aparente. Sonhos têm dessas coisas absurdas.
No dia
seguinte acordou mais cedo e se postou ao lado da mulher, que ressonava
placidamente. Ela tinha a expressão satisfeita que ele vira na noite anterior.
De repente fechou o rosto, e disse:
--
Leopoldo, fomos descobertos. Por favor, não apareça mais.
Quando Marisa despertou, uma meia
hora mais tarde, viu Marcílio ao seu lado tenso e muito sério.
-- O que
foi que houve? Falei de novo no sonho?
Ele não
respondeu e, ao longo do dia, ficou de cara amuada. Estava convencido de que a mulher tinha um
amante -- real ou onírico, mas um amante. Amante onírico? Uma ova! Precisava
descobrir quem era o tal Leopoldo.
Marisa
notava o marido cada vez mais calado e começou a se preocupar. O amante do
sonho tinha virado para ele uma obsessão. Se não fizesse alguma coisa, o
casamento entraria numa crise talvez sem volta. Mas fazer o quê?
A crise
se instalou quando Marcílio disse que não dormiria mais com ela. Ficaria por
uns tempos no sofá. Marisa respondeu que isso era uma tolice e um risco, pois
na sala corria vento encanado e ele sofria dos pulmões.
Essa
consideração demoveu o homem, que já contraíra algumas bronquites. Dormiu ao
lado dela e, claro, não resistiu a acordar mais cedo e observá-la. Era já um
exercício masoquista, que alimentava o seu rancor e parecia servir de
justificativa para a vingança que estava preparando. Como nos outros dias, ela começou a
balbuciar:
--
Leopoldo... vá embora. Acabou-se. Descobri que amo meu marido mais que tudo
neste mundo.
Ao
pronunciar a palavra “marido”, procurou dar ao rosto a expressão que Marcilio
dissera que ela tinha quando se dirigia ao “outro”. Esperou que ele se
levantasse para ir ao banheiro e só então abriu os olhos. Ouviu-o cantarolar
enquanto fazia a barba... O fingimento tinha dado certo.
Difícil
seria impedir que Leopoldo continuasse a entrar nos seus sonhos.
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