O
Filósofo está apaixonado. Demorou muito para admitir isso, mas agora não pode
mais se enganar. Seria desconhecer as evidências, menosprezar o alcance das
suas faculdades cognitivas. Depois de longas prospecções interiores, reconhece
que está amando. Não permitiria, contudo, que os arroubos da paixão lhe
turvassem o entendimento. Afinal, era um filósofo, um homem acostumado a
meditar sobre as grandes questões do universo.
Precisa
conversar com Ela. Acha melhor usar o telefone, pois o contato físico num
momento como este delataria sua perturbação emocional. Quer tudo, menos perder
o controle. Disca os números e, ao fazer isso, percebe contrariado que suas
mãos tremem. Ouve do outro lado uma voz dizendo “Alô”, mas não responde logo.
Prefere estudar o que vai dizer. Um tanto exasperada, a voz indaga:
-- Quem é você?
Essa
pergunta o deixa desnorteado. Há décadas se questiona sobre isso e ainda não
encontrou uma resposta. “Quem sou, de onde venho, para onde vou” -- essas
questões já lhe consumiram várias noites de sono. Para simplificar, diz o
próprio nome, embora saiba que o nome é uma designação convencional e nada informa sobre a essência da pessoa.
--
É... Sizenando
--
Ah.
Passa alguns segundos analisando o tom
com que a moça pronunciou esse monossílabo. Foi uma interjeição sem ponto de
exclamação, como se Ela de alguma forma esperasse o telefonema. Como se
pensasse: “Enfim, ele está ligando”. Saberia dos seus sentimentos? Hesitante,
permanece em silêncio, procurando formular uma síntese que unifique suas
contraditórias reflexões. Como não diz nada, Ela continua:
--
Quer me confessar alguma coisa?
Confessar?
Por quê? Ele não fez nada de errado. Antes de responder, relembra os momentos
que passaram juntos. Será que nessas ocasiões cometeu alguma falta de que deva
se penitenciar?
--
Não, não quero -- responde. Ouve-a suspirar e dizer: “Que pena. Fica para outra
vez”.
--
Outra vez?
--
Sim, quando você tomar coragem.
Tem dois importantes temas para
meditar nesta noite: primeiro, o apelo à confissão; segundo, a certeza que ela
tem de que haverá outra vez. Como se não duvidasse de que num segundo
telefonema ele confessaria. Mas... confessar o quê?
Enquanto
o Filósofo rumina essas coisas, Ela lhe diz “Boa noite” e desliga. Havia em sua
voz um acento entre glacial e escarninho. Parecia adivinhar que o Filósofo
teria uma noite difícil, semelhante às muitas que tiveram Pascal (antes da
conversão), Hamlet ou Santo Agostinho. Uma sombria noite do espírito. Ele
escova os dentes e se prepara para a insônia.
Do outro lado, depois de desligar o telefone, a
moça se pergunta, intrigada: “Quando é que esse tolo vai enfim se declarar?
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