domingo, 1 de maio de 2016

A voz da casa

Ao chegar em casa, ele notou que alguma coisa estava errada. A mulher e um dos filhos, em pé na sala, empunhavam cartazes. O do rapaz dizia: “Agora é tudo ou nada! Aumento na mesada!”. A esposa não fizera por menos: “Basta de ladainha. Homem também cozinha!”. Tudo rimado, para soar mais forte. 
-- Que é que está havendo?! Isso é brincadeira? 
-- Brincadeira coisa nenhuma! Nunca falamos tão sério! – gritou um dos adolescentes, que tinha o rosto pintado de verde e amarelo. 
Pouco a pouco, ele foi percebendo o que se passava. Sua família entrara na onda de manifestações que varria o País. Eis no que deu ficarem tanto tempo acessando o Facebook, o Twitter, ou vendo televisão. Respirou fundo, imaginando uma saída:
-- Calma, pessoal. Vamos conversar.
-- De conversa estamos cheios! – rebateu a garota, que tingira parte dos cabelos de azul e mandara colocar um piercing na orelha esquerda – para simbolizar as algemas em que se sentia aprisionada. Uma de suas reivindicações era viajar sozinha com o namorado, o que o pai terminantemente proibira.
          -- Está bem, vou pensar no assunto. Mas vocês não acham que a gente devia primeiro consultar outros membros da família? Seus avós, por exemplo. Eles têm experiência. 
         -- Um plebiscito familiar? – protestou o rapaz. -- Nunca! Isso é uma manobra diversionista, um expediente protelatório para enfraquecer nossas reivindicações. O senhor tem que nos responder agora. 
         -- Está bem, vamos nos sentar. E podem baixar os cartazes. Sobretudo você, Elvira, que tem câimbra quando fica muito tempo com os braços numa posição só. Quero ouvir um por um.
Quando o mais velho começou a falar, ouviu-se uma barulheira infernal no quarto do caçula. Correram para ver o que era. Lá se depararam com uma cena inédita naquele cenário até então doméstico e ordeiro: cama virada, roupas pelo chão, sapatos empilhados fora da sapateira, e no centro o menino segurando um cartaz onde se lia: “Fora Barrabás! Castigo nunca mais!”.
Elvira ficou desesperada ao ver o quarto todo revirado. Quem iria arrumar?! Os mais velhos também não concordavam com aquilo. O pai aproveitou a deixa:
-- Acabou-se! Não vou mais ouvir nem atender ninguém.
-- O senhor não pode fazer isso, pai – implorou a menina. -- A gente também não aprova o que ele fez. Ninguém aqui é a favor de quebra-quebra. 
-- Isso, velho. Foi um ato solitário, individual. Zequinha é um vândalo. Não faz parte do nosso movimento. Merecia até ser dispersado com gás lacrimogêneo...
-- Gás lacrimogêneo?! Ele vai chorar, sim, mas por outra razão.     
         Dito isso, foi ao quarto pegar o chinelo. Antes de ir se entender com o caçula, fez questão de dizer bem alto para que os outros ouvissem:
-- Por enquanto as manifestações estão suspensas. Até segunda ordem.








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