quarta-feira, 4 de maio de 2016

Educação

O homem se prepara para almoçar e vê que um amigo se aproxima da mesa.
-- É servido? 
           O outro não hesita:
           -- Sim.     
           -- Como?
            -- Sou servido, sim. Estou com fome e sem dinheiro.  
Fica meio desapontado:  
            -- Perguntei por perguntar, ora. Este almoço é meu. 
            -- Mas você acabou de me oferecer...
        -- Fiz isso por educação. É assim que a gente age quando está comendo ou bebendo alguma coisa e aparece outra pessoa.
-- Mas você não está comendo.  Ainda ia começar.
            -- Ia?
-- Ia, sim. Como me ofereceu e eu aceitei, não vai mais. Se não queria dividir a comida comigo, por que perguntou se eu era servido? 
            -- Porque isso é praxe. 
            -- Praxe?! Você despertou em mim uma falsa expectativa, zombou do meu instinto de sobrevivência e conservação. Não calcula o quanto minhas papilas gustativas se alegraram no breve momento em que fez a oferta. Meu estômago deixou momentaneamente de roncar. Meus intestinos, que não trabalham há mais de 24 horas, começaram a fazer aquecimento...
O outro, já perdendo a paciência, arrisca um último apelo:
            -- Vá embora e me deixe comer. Apenas tentei ser educado, já disse. E você foi grosso ao levar meu oferecimento a sério. Quebrou uma regra social. Eu devia, quando você entrou, ter ficado indiferente e começado a almoçar. Por sinal, a comida está esfriando.
-- Tudo bem, vou embora. Mas saiba que nunca fui tão destratado. Você foi hipócrita e agora se mostra insensível. Não se convida alguém para a mesa e depois o escorraça.
-- Escorraça? Já disse que não lhe convidei.
Ficam um tempo em silêncio, até que o que ia almoçar se dá por vencido.
-- Está bem. Tome, é seu. 
           -- Sério?!
           -- Sério. 
O outro se senta e pega avidamente o garfo, enquanto o amigo se levanta para ir embora.
-- Já vai?
            -- Vou. Para mim, basta.
            -- Espere. 
            -- O que você ainda quer?
          -- Obrigado -- diz, com aparente comoção. E antes de engolir a primeira garfada, pergunta com um ar entre culpado e temeroso:
-- Servido?
Moral da história: de nada valem as regras quando impera a necessidade.

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