domingo, 1 de maio de 2016

Namorados -- eles e elas

-- Você não notou nada diferente em mim?
            Ele a contempla, apreensivo. 
-- Notei, claro.
-- O quê?
-- Bem... -- Hesita, olhando-lhe com atenção o rosto, os braços, o vestido.
-- Aposto que não notou...  Está mentido.
Insiste que notou, para não desapontá-la. Alguma coisa nela está mesmo diferente, mas ele não sabe o que é. Sempre detestou ser tão distraído. 
-- Está bem, vou dizer: cortei o cabelo.
Ele se perturba um instante, mas logo reage: 
            -- Era a isso que você se referia? Qual a vantagem de perceber uma coisa que todo mundo percebe logo?
-- Você tinha notado?!
-- Claro! Não falei porque pensava que você se referisse a essa verruguinha -- aponta com o dedo.  -- Na semana passada, estava um pouquinho abaixo da boca. Hoje está mais acima.  
Ela se olha no espelho e vê, de fato, um pontinho minúsculo quase na linha lateral dos lábios. Exclama:
-- Pôxa!! Você foi capaz de notar isso? Já vi que repara mesmo em mim. Abraça-o. Ele suspira, aliviado. Dessa vez escapou, mas precisa ser mais atento.
                                                             ****
Mal ele chega, ela dispara, sorrindo:
            -- Hoje é nosso aniversário!
            -- Como, se eu nasci em julho e você em setembro?
            -- Falo do aniversário do nosso namoro. Você nem se lembrava...
E agora? Ele não trouxe presente nem cartão. Tenta uma saída:
-- É que eu não sou pessimista como você, que conta nosso namoro em anos. Conto em décadas, pois por mim a gente vai ficar para sempre juntos. Entendeu agora? Não foi alheamento; foi... confiança no futuro.
                                                              ****
Ele acorda, olha o relógio e vê que perdeu a hora. Adormecera de cansaço em razão do jogo de futebol. E logo numa data tão especial! Ela com certeza não ia perdoar.
          Dá um pinote até o banheiro, toma um banho super-rápido e se manda para a casa da namorada. Encontra-a no alpendre, o rosto vermelho de fúria e mágoa.  
-- De... desculpe. Sei que me atrasei e não mereço ser perdoado.
-- Adormeceu?! Como é que você me deixa aqui plantada num dia como hoje?
-- Não mereço perdão, já disse. Mas parte da culpa é sua. 
-- Minha?!
-- É que... eu estava sonhando com você.  E quando sonho com você, nem ouço o despertador. A gente nunca quer sair de um sonho bom. 
-- E como era o sonho? 
-- Você estava bonita como sempre. Doce, meiga.
       Ela respira fundo, segurando a custo a indignação. Olha-o com irônica seriedade:
-- Pois faça o favor de voltar para casa e continuar a dormir. Me reencontre no sonho... bonita, doce, meiga. Aqui estou o contrário de tudo isso. Adeus!
Entra, fecha a porta e o deixa sozinho na noite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário